Folha de S. Paulo


Crack tem uso espalhado e tratamento paliativo em diferentes capitais do país

Em Salvador, eles estão espalhados nas ruas que circundam o Pelourinho. Em Curitiba, estão principalmente em bairros da periferia. Em Fortaleza, nas proximidades da catedral metropolitana e do mercado central.

Para os moradores e comerciantes próximos a estas regiões, são minicracolândias. Para as prefeituras, porém, apenas algumas das "cenas de uso" de crack espalhadas por essas cidades.

A Folha traçou um panorama do uso do crack em sete grandes capitais e constatou falta de dados e estimativas sobre o número de usuários, filas de espera para atendimento aos dependentes e consumo espalhado em diversos pontos das cidades.

As prefeituras de Salvador, Rio, Curitiba, Fortaleza, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife refutam a existência de cracolândias nos moldes da que existe em São Paulo –há uma principal no centro da cidade e outras espalhadas por diferentes bairros.

Afirmam que os usuários não se reúnem em grandes grupos nem possuem ponto fixo para uso do crack.

Na capital baiana, por exemplo, os usuários ficam principalmente em ruas do Centro Histórico como a Ladeira da Montanha e Baixa dos Sapateiros e em áreas do Pelourinho onde a restauração dos casarões históricos e turismo ainda não chegaram. Mas também há pontos na região da Cidade Baixa e até em áreas da Pituba, bairro nobre de Salvador.

Em Belo Horizonte, eles se concentram na Pedreira Prado Lopes, noroeste da cidade. É lá que Maria (nome fictício), 38, busca o crack depois que deixou os cinco filhos morando na casa de sua mãe.

Ela usa a droga desde os 27 anos e cumpriu pena de quatro anos na cadeia sob acusação de tráfico de drogas. No presídio, chegou a cursar faculdade de educação física. Mas, mesmo assim, não conseguiu se livrar do vício.

"Já saí [do uso de crack na Pedreira], mas acabei voltando por sentir saudade das pessoas daqui e por me preocupar com elas," afirma.

TRATAMENTO

A falta de dados sobre o consumo de crack também é um dos principais gargalos na elaboração de políticas públicas. A última grande pesquisa realizada sobre o tema, feita pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), é de 2013.

Capitais como Salvador, Belo Horizonte e Fortaleza não possuem estimativas de quantos usuários de crack poderiam estar em tratamento na rede pública. No Recife, não há identificação quanto ao tipo de droga consumida, enquanto Porto Alegre contabiliza apenas as pessoas que procuraram serviços públicos para tratamento e atenção social.

O tratamento, em geral, é paliativo. Na maioria dos casos é realizado pelos centros de assistência psicossocial, voltados para receber os usuários em momentos de crise.

Em Belo Horizonte, por exemplo, quatro vans percorrem a cidade para atender usuários de droga e álcool no próprio local de consumo com equipe de enfermeiros, psicólogos, educadores sociais e redutor de danos. Há ações semelhantes em Porto Alegre e Salvador.

No Recife, são oferecidos serviços de terapia individual e em grupo aos usuários e suas famílias. Já em Fortaleza, há ações de qualificação profissional e inclusão produtiva.

Para os casos agudos, que requerem internação, o atendimento é feito em hospitais e comunidades terapêuticas. Mas nem sempre a oferta de vagas atende a demanda. Em Curitiba, há uma fila de espera que chega a durar entre 15 a 20 dias. Já o trabalho de encontrar os familiares dos usuários e tentar restabelecer vínculos, considerado essencial para a recuperação, tem sido feito por ONGs.

"Ter um trabalho e uma rede de contatos na igreja foi o que me sustentou psicologicamente e financeiramente", diz Ricardo Alexandre de Oliveira, 42. Morador de uma favela da região da Pedreira, em Belo Horizonte, ele começou a traficar aos 10 anos e, aos 25, entrou no crack.

Deixou as drogas há cinco anos, período em que diz ter tido apenas uma recaída, e chegou a trabalhar numa fábrica de refrigerantes.

INTERNAÇÕES

As internações contra a vontade dos usuários, sejam involuntárias (com aval médico) ou compulsórias (com autorização da Justiça), são utilizadas apenas em casos extremos, como acontece em São Paulo, ou sequer são adotadas nessas capitais.

Em Porto Alegre, a internação compulsória acontece em último caso. Mesmo assim, a medida é adotada somente após uma avaliação junto aos familiares do paciente com o apoio da Defensoria Pública.

No Recife, mesmo em casos indicados para compulsória, com determinação da Justiça, os profissionais visitam o usuário para tentar mobilizá-lo para o tratamento e priorizam práticas de redução de danos.

Já as prefeituras de Salvador, Fortaleza e do Rio não adotam a internação contra a vontade do paciente, seja involuntárias ou compulsórias (com autorização judicial). Em Belo Horizonte, as decisões judiciais que obrigam a internação são cumpridas.

O Rio chegou a ter internação compulsória entre 2011 e 2012, quando 2.924 usuários foram retirados das ruas à força. Em 2012, o Ministério Público proibiu essas ações por considerar que os usuários não foram tratados, mas apenas removidos das ruas.

Em São Paulo, por exemplo, desde a ação policial do final de maio que acabou com a feira de drogas a céu aberto na cracolândia, a prefeitura de João Doria (PSDB) declara ter feito 9.600 atendimentos na região central da cidade, o que inclui as repetições.

O número de internações voluntárias, diz a administração, atingiu 764.

Colaboraram CURITIBA, RIO, PORTO ALEGRE E FORTALEZA


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