Folha de S. Paulo


Pai de bebê atingido por bala perdida no Rio sonha em carregá-lo no colo

Custodio Coimbra/Agência O Globo
Rio de Janeiro (RJ), 03/07/2017, Bebê / Bala perdida - Bebe atingido por bala perdido dentro da barriga da mãe. Klebson da Silva, 27, pai de Arthur na porta do Hospital Municipal Dr.Moacyr Rodrigo do Carmo, em caxias, onde está internada sua esposa Claudinéia. Foto Custodio Coimbra / Agência O Globo ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Klebson da Silva, 27, no dia em que registrou seu filho, vítima de bala perdida

Ao registrar seu filho nesta segunda-feira (3) no cartório do Hospital Municipal Moacyr do Carmo, em Duque de Caxias (RJ), Klebson da Silva, 27, se permitiu um sorriso contido. Algumas horas antes, recebera dos médicos a notícia de que Arthur, seu filho, vítima de bala perdida antes mesmo de nascer, estava em estado de saúde estável, ainda que grave.

A mãe de Arthur, Claudineia dos Santos Melo, 29, foi atingida na barriga na tarde da sexta-feira (30), a caminho do supermercado, na entrada da favela do Lixão, na cidade da Baixada Fluminense.

De acordo com a Polícia Militar, agentes haviam acabado de fazer uma operação na favela quando, na saída, foram alvo de tiros. A PM diz que não houve revide. Grávida de nove meses, Claudineia passou por uma cesariana de emergência, e os médicos descobriram que o tiro também ferira o bebê.

"Estamos torcendo para que ele se recupere. Só quero ter ele nos meus braços", disse Klebson. A bala perfurou os dois pulmões de Arthur e atingiu duas vértebras da coluna, por isso o bebê respira por aparelhos e está paraplégico. Mas, para o neurocirurgião Eduardo França de Aguiar, que também é diretor do hospital, há chance de o quadro ser revertido.

Claudineia, por sua vez, segue internada, mas passa bem e está lúcida. Não sabe que o filho pode ficar paraplégico. "Ela está muito fragilizada. Chora, pergunta pelo filho. É melhor dar a notícia aos poucos. Foi o pedido do pai", diz a psicóloga do hospital, Verônica Pereira.

Reprodução/Arquivo Pessoal
RIO, Claudineia dos Santos Melo, foi baleada na ultima sexta-feira o Bebe sobrevive depois de ser alvejado enquanto ainda estava no útero quando mulher gravida de nove meses e atingida por bala perdida Foto: Reproducao /Arquivo Pessoal ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Claudineia Melo, ainda grávida de Arthur

O diretor do hospital onde Arthur nasceu conta que nunca tinha visto caso parecido. "Foi um milagre o menino ter sobrevivido", disse o secretário municipal de Saúde de Duque de Caxias, José Carlos de Oliveira.

Claudineia e Klebson são migrantes da Paraíba. "Viemos para dar uma vida melhor para os familiares", diz ele.

Claudineia, que vive no Rio há cerca de cinco anos, é de Lucena, município de 12 mil habitantes na região metropolitana de João Pessoa. Klebson é de Natuba, município de 10 mil habitantes a cerca de 100 km da capital. Claudineia é da segunda geração de sua família a trocar a Paraíba por Caxias em busca de emprego.

Ela é tesoureira em um supermercado na zona sul do Rio. Ele é conferente de estoque em um frigorífico em São João de Meriti, também na Baixada Fluminense.

Por medo de retaliação, Klebson prefere não comentar a situação de segurança da cidade onde vive. Por ora, não pensa em se mudar. "Não consigo pensar nisso agora, só em fazer minha mulher e meu filho melhorarem."

CRISE NA SEGURANÇA

Claudineia e Arthur entram para uma estatística que não para de crescer no Rio, a de pessoas atingidas por balas perdidas. Levantamento feito pela Folha indica que pelo menos uma pessoa foi atingida a cada dois dias na região metropolitana em 2017.

Com o Estado em crise, o Rio vive descontrole na segurança. O número de mortes violentas subiu 16% de janeiro a maio deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado –de 2.528 para 2.942.

Historicamente, a Baixada Fluminense, onde Claudineia foi baleada, concentra parte expressiva da criminalidade no Estado. Na região metropolitana como um todo, os conflitos entre facções, entre facções e milicianos e entre criminosos e policiais têm sido muito frequentes.

Reprodução
RIO, O bebe de Claudineia que foi baleado dentro da barriga da mae durante um tiroteio na Favela do Lixao permanece em estado grave, segundo o boletim divulgado pela Secretaria estadual de saude, na manha desta segunda-feira a crianca, que esta internada no Hospital estadual Adao Pereira Nunes, na Baixada Fluminense, está paraplegica e com um coagulo na cabeca. Credito Reproducao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Exame de imagem do garoto, atingido nos pulmões e na coluna

Especialistas em segurança pública dizem que não é de hoje a tendência de agravamento da situação e apontam um conjunto de explicações. Entre elas, estão o abandono de políticas que davam certo, como o sistema de metas para as polícias, e a falta de correção de rumo em programas como o das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

A crise financeira do Estado agravou a situação. Não há recursos para contratar PMs aprovados em concurso. Policiais não receberam o 13º salário de 2016 nem o adicional por atingir metas e pelo trabalho na Olimpíada. A corporação também denuncia o mau estado de equipamentos.

Enquanto isso, a família de Arhur tenta manter as esperanças. "A gente não quer que o que aconteceu com a nossa família aconteça com outras", diz Walter Melo, 27, primo de Claudineia. "Não queremos ser mais um caso."


Endereço da página:

Links no texto: