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Sem convênio, Rio de Janeiro fica sem vagas para internar usuários de crack

Raquel Cunha/Folhapress
Erika Mendonça, 36, que está em abrigo para gestantes e mães dependentes químicas
Erika Mendonça, 36, que está em abrigo para gestantes e mães dependentes químicas

O usuário de crack que quiser fazer um tratamento completo no Rio dará com a cara na porta. Desde 2016 a cidade não tem mais convênios com comunidades terapêuticas. O programa que atendia usuários de drogas foi extinto na gestão Eduardo Paes (PMDB) e ainda não foi renovado desde que Marcelo Crivella (PRB) assumiu a prefeitura.

"Não temos hoje nenhum programa para a dependência química", admite a secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do município, Maria Teresa Bergher. "O que temos é um tratamento paliativo em abrigos, mas isso não resolve. O que resolve é preparar as pessoas para serem inseridas na sociedade. Esse tipo de programa de tratamento permanente nós não temos."

Isso em um momento em que a população de rua explode, com o desemprego que não dá trégua ao Estado –o número de pessoas morando nas ruas triplicou nos últimos três anos–, e a falta de verba encolhe o equipamento da rede de atenção psicossocial. Desse modo, a prefeitura enxuga gelo.

A cidade tem 63 abrigos, dois destinados a menores usuários de drogas, além de um para gestantes usuárias de drogas ou usuárias de drogas que acabaram de ter filhos. Ao todo, há 2.155 vagas –15% da população de rua da cidade. Segundo a secretaria de Assistência Social, 1.300 vagas para menores foram fechadas e o programa Proximidade, que tratava dependentes químicos, foi encerrado, no final de 2016. A secretaria diz que busca retomá-lo, pedindo apoio do governo federal.

Grávida de oito meses, Erika Mendonça, 36, foi a primeira a chegar a um recém-inaugurado abrigo para gestantes e mães dependentes químicas na zona oeste do Rio. Ela tem outros quatro filhos, nenhum deles criado por ela. Desta vez, diz, quer mudar.

"Se estou viva, se comecei a me tratar, foi por causa do bebê. Não fosse por ele, viraria só mais uma na rua. Estou há 23 dias limpa. Sei que, se for para a rua, volto a usar, então quero ficar aqui pelo tempo que precisar, depois quero arrumar um trabalho –qualquer um–, arrumar um canto e ficar com meus filhos.

Assistentes sociais dizem que o que evita que o problema do crack tome a proporção que tem em outras cidades, como São Paulo, é que é pequena a população usuária da droga na cidade. O estudo anual de abordagem social de 2016 aponta que há 14.279 pessoas em situação de rua; destas, 238 (1,7%) declararam usar crack.

Especialistas não sabem com certeza por que isso acontece. Uma explicação que dão tem a ver com a oferta da droga. Aos traficantes, a venda de crack pouco interessa, dizem. Trata-se de uma droga barata, que representa pouco lucro. Além disso, a presença de usuários perto das bocas de fumo acaba atraindo a atenção da polícia, o que traficantes não querem.

A prefeitura diz que não há cracolândias no Rio. Os usuários circulam por pontos da cidade onde há uso de outras drogas, como no centro e na Lapa, mas não permanecem em um só lugar, como acontece em São Paulo. Há dois lugares onde é comum vê-los: em uma via de acesso ao Complexo da Maré, conjunto de favelas à beira da avenida Brasil, na zona norte, e em frente à favela do Jacarezinho, também na zona norte. No entanto, mesmo esses grupos, diz a prefeitura, são transitório. "O grande problema da população de rua no Rio é o álcool, mais ainda que o crack", diz Bergher.

O Rio chegou a ter internação compulsória de usuários de drogas. Entre 2011 e 2012, 2.924 usuários foram retirados das ruas à força. Em 2012, o Ministério Público proibiu essas ações.
"O resultado foi negativo e está aí nas ruas. As pessoas não foram tratadas, mas removidas numa ação de higienização e posteriormente devolvidas às ruas", diz Bergher.

Para Francisco Netto, coordenador executivo do Programa Álcool, Crack e outras Drogas, da Fiocruz, a rede deveria ser ampliada e integrada com outros serviços de forma mais efetiva. "No Rio, temos unidades de atendimento que funcionam bem. O problema é que elas não são suficientes. É preciso que haja mais. Além disso, não se pode jogar a culpa toda no crack. Essas pessoas, em geral, têm necessidades que vão muito além da droga, que estão ligadas à pobreza."

Segundo ele, só de Caps (Centro de Atenção Psicossocial), o Rio precisaria ter o triplo de unidades que tem hoje para atender a demanda que há.

Hoje, o atendimento funciona assim: a assistência social faz a abordagem nas cenas de uso. Se o usuário for de outro Estado e quiser voltar para casa, há um programa de pagamento de passagens. O usuário que aceita o acolhimento é levado para um dos abrigos do município.

No entanto, em conversas com os moradores de rua, nota-se que muitos acabam deixando os locais de acolhimento. "Abrigo não adianta a vida de ninguém", diz um usuário de crack que não quis se identificar.


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