Folha de S. Paulo


'Correio do namoro' atrai de viúva exigente a detento em busca do amor

Corações Solitários

Em vez de aplicativos e chats de namoro na internet, solteiros trocam correspondência com potenciais pretendentes por meio da "Revista da Hora", parte da edição dominical do "Agora", do Grupo Folha. Leia abaixo algumas das histórias de encontros e desencontros proporcionados por esse "correio do namoro".

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Corações solitários

"Ainda ontem, chorei de saudade. Relendo a carta, sentindo o perfume."

Com sotaque carregado apesar de seus mais de 50 anos longe da Croácia natal, Bojo Udovic Banic, 75, entoa versos da canção da dupla caipira João Mineiro e Marciano nas lembranças dos seus 18 anos com Izabel Maria Fernandes Costa, 67.

O restante da letra que conta uma história de amor com "ciúme que mata" está distante da realidade do casal, que compartilha o mesmo teto desde 1999.

O relacionamento começou por meio de carta à seção "Corações Solitários", espécie de Tinder (aplicativo de relacionamentos) pré-internet. Viúva com dois filhos, Izabel procurava relação séria. Por indicação de amigas, optou pelas cartas ao jornal. "Coloquei meu telefone ali e começou a vir ligação."

Um dos telefonemas era de Banic. Sem rodeios, ele marcou o primeiro encontro. Em poucos meses, foram morar juntos até que o casório fosse registrado em cartório.

Outros pretendentes ainda telefonavam. Quem atendia era Banic. "Eu falava: 'Rapaz, eu já assumi. Você chegou tarde'."

Izabel se encantou pelos olhos azuis do homem que veio ao Brasil no pós-Segunda Guerra e deixara um casamento de 27 anos, que gerou um filho. "Ele me olhou nos olhos. Gostei disso."

Embora lesse os anúncios de quem procurava um amor no jornal, Banic diz que jamais se aventurara a mandar cartas. "Já escrevi aqui em casa, diretamente para ela, mas pedindo desculpas por algo que eu fiz. Isso também é carta de amor", diz.

Há quase dois anos, Banic diz que buscou outra maneira de provar esse amor. Ganhou mais uma filha oficialmente. Adotou a caçula de Izabel, de 34 anos.

Bruno Santos/ Folhapress
Em busca de relação séria, Izabel enviou carta ao jornal; Banic ligou para primeiro encontro em 1999
Em busca de relação séria, Izabel enviou carta ao jornal; Banic ligou para primeiro encontro em 1999

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Rita não desiste

Com uma pilha de cartas nas mãos, a aposentada Rita Ferreira da Silva, 70, mostra fotos dos mais recentes pretendentes que a escreveram em busca de amor. "Esse aqui tem cara de psicopata", mostra um deles, às gargalhadas.

"E esse aqui? Tem 85 anos. Aí também não dá. Esse aqui é bonitão, mas mora no interior e lá eu não vou."

Rita é figura carimbada da seção "Corações Solitários". Foi por meio dela que conheceu um homem mais jovem com quem viveu em união estável por um ano e meio. Não deu certo. "Infelizmente, descobri que ele era violento".

Rita não desiste. As cartas em busca de um novo cobertor de orelha seguem sendo escritas à redação do jornal.

Ela atrai um séquito de pretendentes, talvez pelo bom humor e vitalidade. "Depois das cartas, acho que tive conversa com uns cem [homens]."

Ela procura alguém "sério e verdadeiro" para compartilhar uma casa e fazer viagens frequentes ao litoral sul paulista. Exige que o interessado saiba dirigir. "Tenho carro, mas quero alguém que possa me levar para a praia, para um restaurante."

Confiou ao jornal a condição de cupido. Prefere o correio elegante à moda antiga. "Não confio em nada pela internet. No jornal, a gente tem a segurança de saber que a pessoa se apresenta com nome, documento e endereço."

Antes do encontro ela exige o envio não só dos dados de identificação como testes de saúde. "Tem um aqui que me mandou até a certidão de nascimento original. Precisa vir buscar, coitado", diz, novamente aos risos.

A aposentada teve duas filhas de um primeiro casamento. Ambas já morreram. Há alguns anos, perdeu a companhia do neto que foi viver nos Estados Unidos.

"Não nascemos para sermos sozinhos. Todos nós queremos ter alguém". Ninguém gosta de ficar só".

Bruno Santos/ Folhapress
A aposentada Rita Ferreira Silva escreve para o jornal por acreditar que
A aposentada Rita Ferreira Silva escreve para o jornal por acreditar que "ninguém nasceu para viver só"

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Algemas da paixão

Cristiano Machado, 29, capricha na caligrafia e enfeita as cartas com desenhos.

As mensagens são escritas na cela que divide com outros rapazes na Penitenciária 3 de Hortolândia (100 km de SP), de onde espera sair no final deste ano. Até lá, tentará conquistar alguém que aceite dar fim a sete anos de isolamento afetivo com uma visita à unidade prisional.

Nas mensagens ao "Agora", ele busca uma mulher "fiel e sincera" e que acredite na recuperação dele, preso desde 2010 por roubo. "Cansei dessa vida que levo desde os 11 anos."

A dica do correio do amor veio de um colega de detenção, que arranjou uma namorada por meio da seção.

Como seduzir alguém em uma situação tão adversa? "Tem que mandar bonito nas cartas. Trocar aquela ideia para convencer ela a vir e mostrar que a gente é capaz de mudar", disse ele, ao receber a Folha no presídio. Sorriso no rosto e com algemas, diz que teve respostas às missivas, mas nenhuma visita.

"As cartas dos privados de liberdade são as que mais me emocionam. São pessoas que se sentem muito solitárias e, às vezes, procuram apenas uma companhia", diz Lara Pires, uma das jornalistas responsáveis pela seção.

Antes de voltar à cela, o rapaz que cursou até a 7ª série escreve um novo texto para que a reportagem entregue ao jornal. "Não tem mulher ideal, não tem modelo. Pode ser feia, bonita, gorda, velha. Sendo sincera, ótimo."

Victor Parolin/Folhapress
Machado, detento na Penitenciária 3 de Hortolândia (SP), aguarda resposta de uma futura pretendente
Machado, detento na Penitenciária 3 de Hortolândia (SP), aguarda resposta de uma futura pretendente

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