Folha de S. Paulo


Doria admite que dirigia seu carro em parte das multas acumuladas na CNH

Suamy Beydoun/AGIF/Folhapress
João Doria com agentes de trânsito durante evento de entrega de motos doadas à CET
João Doria com agentes de trânsito durante evento de entrega de motos doadas à CET

O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), admitiu à revista "Veja São Paulo" que era ele quem dirigia os veículos em parte das infrações que levaram à suspensão de seu direito de dirigir por dois meses. No início da semana, questionado pela Folha sobre as multas, o tucano divulgou nota na qual afirmava que não "costumava" dirigir seus próprios carros -serviço esse feito por "motoristas profissionais".

Como a Folha revelou nesta semana, o tucano teve a CNH suspensa entre 13 de janeiro e 12 de março após ter acumulado mais de 20 pontos na carteira após uma série de infrações, a maioria delas por excesso de velocidade. "Tenho vários carros na minha casa. Ao longo de um ano, certamente em algum momento eu estava dirigindo, sim. Mas, na maioria dos casos, era o motorista. Em duas ocasiões, eu estava no exterior. O Detran reconheceu isso, mas, como fiz a contestação fora do prazo, não tive os pontos retirados", disse à revista.

Durante a campanha, o tucano criticou duramente o que chama de "indústria da multa" e cumpriu a promessa de aumentar os limites das marginais Tietê e Pinheiros se eleito, o que foi seguido do avanço do número de acidentes, segundo dados da Polícia Militar. "Não há correlação alguma entre uma coisa e outra. Acidentes sempre existiram nas marginais, assim como em outras ruas e avenidas. Além disso, nenhuma das ocorrências fatais neste ano nas duas vias originou-se de excesso de velocidade", disse à revista. "Metade delas ocorreu nos horários de pico, em que a velocidade dos carros fica em torno de 40 a 50 quilômetros por hora", completou.

Hoje, mesmo com o prazo de punição vencido, Doria continua impedido de dirigir, já que ainda não participou do curso de reciclagem obrigatório de 30 horas para recuperar a sua habilitação.

Diz que fará o curso para poder dirigir novamente. "Vou cumprir minha obrigação como todos que já foram vitimados pela pontuação, vou fazer o curso, farei o exame, vou ser um cidadão", disse, em entrevista.

O prefeito está sem carteira porque foi multado cinco vezes entre novembro de 2014 e junho de 2015, sendo três por transitar com velocidade acima da permitida (até 20%), uma por manobra irregular e a outra, a mais grave delas, por avançar o sinal vermelho.

Segundo os dados oficiais obtidos pela reportagem, não é possível dizer onde foram cometidas as infrações que levaram à suspensão da carteira do prefeito neste ano. É possível afirmar, porém, que dois veículos (um Porsche Cayenne e um Audi A8) usados pelo prefeito foram multados outras cinco vezes entre junho de 2016 a abril de 2017.

Dessas irregularidades, três delas também foram por excesso de velocidade e cometidas nas marginais Tietê e Pinheiros.

À época, o limite permitido para as vias era de 50 km/h, mas os veículos de Doria foram flagrados pelos radares da prefeitura com velocidades entre 58 km/h e 65 km/h.

As multas nas marginais foram aplicadas em 2016, antes de Doria assumir a prefeitura. Na lista de infrações recentes, há uma por trafegar com passageiro sem o cinto de segurança (esta já em 2017) e outra por estacionar em local proibido.

Esta última autuação ocorreu na avenida Brigadeiro Luís Antônio, 453, em frente a um cartório eleitoral. Os veículos estão em nome de Doria Administração de Bens e, também, de João Agripino da Costa Doria Junior (o nome de batismo do prefeito).

Nesses casos de infrações recentes, com base nos dados oficiais disponíveis, não é possível afirmar quem dirigia. O prefeito pode ter indicado um outro condutor, algo permitido pela legislação e que, assim, evitaria uma nova suspensão a ele.

O dono do veículo, após a notificação, tem 15 dias para indicá-lo, isso quando não é o responsável pela infração.

Com mais de uma multa no prontuário, o prefeito faz parte do grupo de infratores contumazes. Segundo balanço da prefeitura, 51% das infrações de 2015 foram cometidas por 5% da frota. Outros 71% não receberam nenhuma multa.

SEM RESPOSTA

Ao longo desta semana, o prefeito se recusou a explicar à Folha a versão dada por ele sobre os motivos que o levaram a ter estourado os 20 pontos na carteira de habilitação e ter suspenso o direito de dirigir por dois meses.

No início da semana, o tucano divulgou nota afirmando que não "costumava" dirigir seus próprios veículos -serviço esse feito por "motoristas profissionais".

Ainda segundo o gestor público, os pontos das multas só tinham ido para seu prontuário porque ele tinha perdido o prazo para indicar ao Detran o verdadeiro infrator. Assumindo, assim, o ônus que não era dele.

Ocorre, porém, que duas das cinco multas recebidas por ele -e que levaram à punição de dirigir- foram cometidas com veículos registrados em nome de suas empresas, a Doria Administração de Bens e a Doria Editora Ltda.

Sendo assim, segundo especialista de trânsito ouvidos pela reportagem, é impossível que os pontos das infrações tenham sido contabilizados automaticamente no prontuário do prefeito.

Para que isso ocorresse, teria sido necessário que ele (ou um preposto) tenham comunicado o infrator ao órgão de trânsito.
Se não houver indicação, os pontos não são contabilizados para ninguém.

Para desestimular a sonegação desses dados, o código de trânsito (artigo 257) diz que os proprietários de veículos de pessoa jurídica têm 15 dias de prazo, após a notificação, para indicar o responsável pela infração.

Se ultrapassar esse prazo, e não havendo indicação do infrator, o veículo receberá uma nova multa, além da multa original, "cujo valor é o da multa multiplicado pelo número de infrações iguais cometidas no período de 12 meses".

Procurada desde a última terça-feira (6), a assessoria do prefeito Doria não respondeu aos questionamentos.

A explicação é importante porque se não foi mesmo o prefeito quem dirigia dos veículos, mas, foi indicado indevidamente ao Detran como o condutor, isso pode ser enquadrada como crime de falsidade ideológica, cuja pena prevista pelo Código Penal é de reclusão de um a cinco anos, além de multa".

No mesmo dia do questionamento feito pela Folha, Doria divulgou nas redes sociais um vídeo em que dizia que estava com o direito de dirigir suspenso e, por isso, faria a reciclagem como qualquer cidadão.

Nessa versão aos seus seguidores, o tucano não mencionou ter perdido prazo. Adotou um tom que errou, reconhecia a falha e pagaria por ela. "Difícil encontrar alguém que, dirigindo um automóvel, não tenha tomado uma única multa. Eu não sou diferente", disse.

MULTAS QUE LEVARAM À SUSPENSÃO DA CNH DE DORIA -

Outras multas, registradas nos carros de Doria -


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