Folha de S. Paulo


Nova cracolândia no centro de SP dobra de tamanho em apenas um dia

Bruno Santos/Folhapress
Usuários de droga na Praça Princesa Isabel, no centro, após desocupação da Cracolândia
Usuários de droga na Praça Princesa Isabel, no centro, após desocupação da Cracolândia

Dobrou o número de viciados de drogas na praça Princesa Isabel, no centro da capital paulista, segundo balanço da Guarda Civil Metropolitana obtido pela Folha.

Entre a noite de quarta-feira (24) e a madrugada desta sexta (26) passou de 300 para 600 o total de usuários no local.

A praça reúne a maior concentração de viciados entre as 23 minicracolândias surgidas na cidade desde a realização da operação policial contra o tráfico de drogas na antiga cracolândia, no último domingo (23). As gestões tucanas do governador Geraldo Alckmin e a do prefeito João Doria afirmam que a ação foi planejada em conjunto.

Na manhã desta sexta-feira (26), os viciados seguiam ocupando o bosque da praça. O vaivém do grupo, o chamado fluxo, pelo terreno, era interrompido com a abordagem de assistentes sociais que buscavam dar orientações para tirá-los dali.

De frente para a nova ocupação, o clima era de tensão. Os comerciantes da rua Guaianases se dizem prejudicados com a presença dos usuários.

Segundo os empresários, a rua já registra casos de tentativa de furto, cortes de fiação de energia elétrica e redução significativa no número de clientes.

TENSÃO

Na loja Central de Automóveis, uma das portas foi danificada na madrugada desta sexta. Nenhum funcionário do estabelecimento quis falar com a reportagem, mas confirmaram a tentativa de furto.

Outro comerciante preocupado é Vanilson Pereira de Carvalho, 46, que administra o restaurante Sabor de Minas. Ele diz que o número de refeições servidas no horário do almoço vem caindo desde a chegada dos viciados. Na quinta, a queda foi de 50%. "Vai ser o fim de uma era comercial na região", disse.

Carvalho afirmou ainda que foi obrigado a contratar um segurança, que fica na frente do estabelecimento, para tranquilizar os frequentadores. O empresário informou que é favorável à internação compulsória de dependentes químicos, um dos planos de Doria, que tenta autorização judicial para isso. "Ninguém pode ser recuperado na rua. Eles são doentes e precisam de tratamento. O problema é que nem eles sabem o que fazer."

O vizinho de Carvalho, que trabalha na venda de veículos e não quis se identificar, diz que vai tomar uma medida mais drástica, caso nada seja feito no local. "Se em duas semanas essa situação não acabar, vou tirar meu ponto daqui", afirmou o empresário.

Até a Primeira Igreja Batista de São Paulo, localizada na rua Guaianases desde o final do século 19, não foi poupada. A fiação que abastece as áreas comuns do prédio da igreja, de dez andares, foi cortada. Os elevadores e a cozinha amanheceram sem energia nesta sexta. A suspeita, segundo a instituição, é a de que os viciados cortaram a fiação para venda.

"Estamos orando e levando grupos de apoio para prestar alguma assistência para os viciados. Em mais de cem anos aqui, nunca vimos uma situação como essa", afirma Flávio Alves, 65, funcionário da instituição.

Um acordo informal tenta manter a convivência entre usuários e comerciantes. Pelo trato, os usuários não poderiam atravessar a rua Guaianases e acessar a calçada em frente aos estabelecimentos.

A Folha questionou os empresários, que disseram que esse é o único jeito de criar uma sensação de segurança na região. Por volta das 11h desta sexta, uma usuária, que disse ter 39 anos e há três meses reside no fluxo da cracolândia, descumpriu a "regra" e gerou confusão.

Ela buscava comer um salgado na Sabor de Minas, mas foi "convidada" aos gritos a se retirar por um dos comerciantes. "Eu estou com hemorragia e só vim buscar comida para ficar mais forte."

Dhiego Maia/Folhapress
Comerciante pede em carta ao Exército saída de usuários da Praça Princesa Isabel
Comerciante pede em carta ao Exército saída de usuários da Praça Princesa Isabel

CARTA AO EXÉRCITO

O desespero é tamanho que um dos mais antigos comerciantes da rua Guaianases, Aldo Seixas, 70, que mantém na região há 53 anos uma agência de despachos de veículos, apelou ao Exército.

Seixas escreveu uma carta endereçada ao Comando Militar do Sudeste. No texto, ele disse estar "muito triste" pela presença dos usuários no local. "Já vi muitos eventos realizados aqui, festas do dia do Soldado, entre outras."

Ele lembrou que a praça ostenta um dos maiores monumentos do país a Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, o patrono do Exército. "A estátua de Duque de Caxias está totalmente abandonada, lotada de baratas, ratos e agora com muitos desocupados", escreveu.

Seixas pede que o Exército procure a prefeitura para "desocupar, limpar e restaurar" a praça.

Em entrevista à Folha, o comerciante disse que a nova paisagem em frente ao seu negócio reflete "a falência de um modelo de sociedade." "Todos nós temos uma parcela de responsabilidade por isso. Eles são uns coitados que caíram nisso por falta de orientação na vida."

PRISÕES

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirmou, em nota, que a polícia prendeu 22 pessoas desde o início das operações, sendo 16 em flagrante e seis em cumprimento de mandados judiciais, e que o policiamento na região continua reforçado.

Ainda de acordo com a pasta, "análise preliminar das ocorrências registradas na região mostra que, no período de 21 a 25 de maio, houve redução de 54,5% no número de roubos neste ano (25 ocorrências) em relação a 2016 (55). As polícias também realizaram mais capturas de procurados –subiu de duas em 2016 para 13 neste ano".

Editoria de Arte/Folhapress

Endereço da página:

Links no texto: