Folha de S. Paulo


Documentário mostra vida de usuária de crack em pensão na cracolândia

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Angélica, 24, no hotel Laide, onde vive como parte do programa Braços Abertos
Angélica, 24, no hotel Laide, onde vive como parte do programa Braços Abertos

"Olha o anjo, ó o anjo, olha o anjo aí"! O coro é puxado por usuários de crack na região da cracolândia, centro de São Paulo, ao ver uma senhora empurrando um carrinho com uma criança. Todos logo escondem os cachimbos.

A cena integra o documentário "Hotel Laide", que será lançado neste sábado (20), às 15h, no auditório da Defensoria Pública em São Paulo.

O título se refere a uma pensão social na cracolândia que recebe pessoas que querem largar a droga, parte do programa Braços Abertos. Lançada pela gestão Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo, a ação foca redução de danos e agora será substituída pelo programa Redenção, de João Doria (PSDB), que combina elementos do Braços Abertos e do Recomeço, do governo do Estado.

Dirigido pela antropóloga Debora Diniz, diretora do Anis - Instituto de Bioética, o filme acompanha a jovem Angélica, 24, que está nas ruas desde os sete anos. "Saí em busca de aventuras", diz ela.

Aos 17, passou pela primeira de uma série de internações compulsórias que não conseguiram livrá-la do vício. Aos 18, teve uma filha.

"Vivia dopada, acordava com remédio, 10h era mais remédio, antes do almoço, mais remédio, às três, às seis, às dez da noite, mais remédio. A mudança não está dentro de um laboratório, está dentro de si próprio", afirma.

No hotel Laide, Angélica é recebida por Brenda, uma travesti que também chegou ali um ano antes, por meio do programa. "Era uma zumbi, andei de modos horríveis."

Brenda explica as regras da casa, como ter que arrumar a cama, tomar banho, não entrar em outros quartos, "não receber homens", não fumar fora do quarto e não chegar depois da meia-noite.

Afirma ainda que a proposta ali não é "parar de usar a química, mas se cuidar mais." "Do que eu era, mudei 70%."

Laide, a dona da pensão, tinha antes um brechó. De lá trouxe os quadros e os objetos que decoram o local. "Aqui é residência, é lar, é família", diz Brenda.

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Decoração do hotel Laide, pensão na cracolândia que recebe pessoas que querem largar a droga
Decoração do hotel Laide, pensão na cracolândia que recebe pessoas que querem largar a droga

Segundo Debora, a ideia do documentário surgiu no momento em que havia uma discussão sobre qual a melhor conduta para tratar o usuário de crack: internação, muitas vezes compulsória, ou programas de redução de danos?

"Hoje já existe um consenso na literatura de que manter e cuidar do indivíduo na comunidade, 'no fluxo', é a melhor maneira de fazê-lo reduzir o consumo."

Para conseguir entrar na cracolândia com "câmera aberta", Debora precisou de um "salve" (autorização) dos líderes locais. "Passei alguns dias negociando. Não trabalho com câmera escondida."

Ela voltou ao hotel Laide um ano depois de Angélica estar vivendo ali. As imagens mostram uma jovem bem diferente: mais "gordinha", sorridente e mais otimista.

Diz não ter parado com as drogas, mas "diminuído muito". "Tive uma oportunidade de mudança. Arrumei um serviço, não durmo mais nas ruas, parei de fazer programas."

O final do documentário guarda cenas reveladoras e impactantes: no início deste ano, o hotel Laide foi destruído por um incêndio, de causas ainda desconhecidas. Os moradores foram remanejados para outros locais.


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