Folha de S. Paulo


Bala perdida atinge uma vítima a cada 2 dias na região metropolitana do Rio

Ricardo Borges/Folhapress
Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 12/05/2017; Liliam Gomes Roma Famada(31) mostra cicatriz no ombro onde foi atingida por uma bala perdida na cidade do Rio de Janeiro. A secretaria de Segurança Pública não sabe dizer quantas pessoas foram atingidas por balas perdidas neste ano na cidade. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
A auxiliar de creche Liliam Famada, 31, mostra cicatriz de tiro que levou dentro de sala de aula no Rio

Evangelista Cordeiro da Silva, 71, lia o jornal na porta de casa quando levou um tiro na cabeça. Sofia Braga, 2, brincava numa lanchonete quando foi baleada no rosto. Liliam Famada, 31, auxiliar de creche, levou um tiro de raspão no ombro direito dentro da sala de aula.

Esses são três exemplos de ao menos 66 casos de pessoas mortas ou feridas somente neste ano por projéteis na região metropolitana do Rio sem que tivessem participação ou influência sobre o evento no qual houve o disparo. Todas são vítimas de bala perdida.

A média até agora neste ano é de um atingido dessa forma a cada dois dias, segundo levantamento da Folha. Destes, 23 morreram.

Violência

Há de tudo entre essas vítimas. Algumas trabalhavam no momento em que foram atingidas. Um funcionário terceirizado da Light, distribuidora de energia, foi baleado na perna enquanto fazia um serviço no Complexo do Chapadão, conjunto de favelas na zona norte. Uma enfermeira da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da favela Vila Kennedy foi atingida dentro da clínica.

Outros estavam à toa: assim como Evangelista Cordeiro, outro idoso, Hermes da Silva, 70, morreu no portão de casa durante uma operação policial na Cidade de Deus.

Além de Sofia Braga, outras crianças foram atingidas. Maria Eduarda da Conceição, 13, foi baleada dentro da escola; Fernanda Caparica, 7, estava no terraço de casa, no Complexo da Maré, quando levou o tiro que a matou.

Em comum, essas histórias têm em comum o tipo de lugar em que acontecem.

Dos atingidos, 95% neste ano estavam ou são moradores de favelas ou de outras localidade pobres. Os complexos do Alemão –cenário de confrontos diários entre polícia e traficantes desde o início de fevereiro– e do Chapadão –outra área tensa da cidade– concentram esses registros.

BALAS PERDIDAS NO RIOAtingidos por projéteis entre 1º.jan e 10.mai deste ano na região metropolitana

"Essa é a realidade histórica, crônica. Esse tipo de estatística não se sustentaria no Leblon, em Ipanema, Copacabana. Quem tem poder de decidir, reagiria. Não deixariam seus filhos expostos à barbárie, como ocorre no mundo invisível [das favelas]", diz o presidente da ONG Rio de Paz, Antônio Carlos Costa.

Outra ONG, a Anistia Internacional, criou uma plataforma digital para registrar as ocorrências de troca de tiros nas regiões mais violentas da capital e de seu entorno. O nome: Fogo Cruzado. No primeiro trimestre deste ano, registrou 1.771 tiroteios.

Balas perdidas estão longe de ser novidade no Rio, mas o agravamento da situação da segurança torna a população ainda mais vulnerável.

ESCALADA

O Estado vive grave crise financeira, com atraso no salário de servidores –policiais, por exemplo, ainda estão sem receber 13º e bônus. Enfrenta também uma escalada de violência, que levou ao pedido de reforço da Força Nacional, que enviou novas tropas para atuar no Rio a partir desta segunda (15).

No primeiro trimestre de 2017, o número de homicídios dolosos cresceu 26% em relação ao mesmo período de 2016 e o de mortes decorrentes de operações policiais, 85%.

VIOLÊNCIA NO RIO - Casos no 1º trimestre de cada ano

Um conjunto de fatores contribui para a situação. De um lado, as forças de segurança estão fragilizadas pela crise econômica. A política de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) ruiu –estudo da PM diz que houve 13 confrontos em lugares com UPP em 2011 contra 1.555 em 2016.

Do outro, confrontos entre grupos criminosos também têm sido mais frequentes. "Com a economia despencando, há menos dinheiro pra todos, inclusive para o crime. Quando há desequilíbrio, há mais violência", diz Ignacio Cano, do Laboratório da Análise de Violência, da Uerj.

Diante de tantos confrontos, o número de atingidos por balas perdidas registrado pela Folha, com base em casos noticiados na imprensa, pode representar só parte da realidade. No entanto, especialistas reconhecem que não há, hoje, outra maneira de contabilizar esse dado.

O Instituto de Segurança Pública, autarquia responsável pela divulgação dos dados de criminalidade do Rio, não faz o registro. Diz que "bala perdida" não é uma tipificação adotada no Código Penal e que todos os casos são registrados como homicídio ou lesão corporal.

A autarquia entende que a melhor forma de combater o problema é conhecer a dinâmica da violência armada em cada região, o que ela afirma fazer em diversos estudos.


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