Folha de S. Paulo


Palestinos são soltos um dia depois de confronto com direita anti-imigração

Hugo Lana
Hasan Zarif, dono do bar Al Janiah, foi detido pela PM nesta terça (2)
O palestino Hasan Zarif, dono do bar Al Janiah, detido pela PM após confronto com grupo anti-imigração

Os dois palestinos detidos na noite de terça-feira (2) após confronto com manifestantes contrários à Lei de Migração em São Paulo foram liberados na tarde desta quarta (3), após audiência de custódia.

Segundo decisão do juiz José Eugenio do Amaral Neto, Nour Alsayyd e Hasan Zarif responderão em liberdade pelos crimes de explosão e lesão corporal –Alsayyd, também por lesão corporal majorada, por ter agredido e imobilizado um policial militar.

Zarif é o líder do movimento Palestina para Tod@s e dono do Al Janiah, bar no Bixiga (região central de São Paulo) administrado por refugiados e militantes da causa palestina.

A Lei de Migração, que aguarda sanção do presidente da República Michel Temer (PMDB), amplia os direitos do migrante no Brasil e regula sua entrada e estada no país. Se aprovada, ela revogará o Estatuto do Estrangeiro, legislação de 1980 oriunda do regime militar (leia mais abaixo).

Os dois brasileiros que foram detidos com os palestinos, Roberto Gomes Freitas e Nikolas Ereno Silva, tiveram todos os flagrantes retirados pelo juiz, por ausência de provas das outras suspeitas pelas quais foram indiciados. Eles também foram liberados.

No total, os quatro tinham inicialmente sido indiciados após a prisão em flagrante pelos lesão corporal, associação criminosa, resistência e lesão corporal majorada.

Cris Faga/Fox Press Photo/Folhapress
O palestino Hasan Zarif, dono do bar Al Janiah, detido pela PM após confronto com grupo anti-imigração
Homem é detido pela PM após confronto com grupo anti-imigração

De acordo com a descrição na decisão, um grupo de 15 a 20 pessoas teria se aproximado do protesto na avenida Paulista contra as alterações na Lei da Migração, e Zarif teria atirado uma bomba contra os manifestantes. O grupo teria tentado ainda arremessar um segundo artefato explosivo, mas foi contido por policiais militares e pelos manifestantes, conforme o texto.

Freitas e Silva teriam então partido para cima dos manifestantes –foram apreendidos um martelo e um soco inglês com Nikolas– e Alsayyd teria agredido um policial e o imobilizado. Seu advogado, Hugo Albuquerque, disse que ele foi levado a um pronto-socorro devido às agressões que sofreu quando foi contido na sequência pelos policiais e manifestantes, "com possível nariz quebrado e muitas escoriações"

O defensor diz que os policiais "compraram" a versão dos ativistas anti-imigração, "como se os palestinos tivessem atacado o grupo". Segundo Albuquerque, a bomba caseira estourada na Paulista partiu dos manifestantes. "Houve ofensas, houve vias de fato, e a polícia interveio só por um lado."

As defesas dos quatro alegaram não haver prova da materialidade de explosão, bem como "controvérsia a respeito da real dinâmica dos fatos". O juiz, no entanto, entendeu que há sim prova da materialidade da explosão, bem como indícios da autoria dos palestinos.

Conforme os depoimentos de policiais e manifestantes, Zarif atirou o artefato, acendido por Alsayyd. Ambos negam. Roberto e Nikolas não foram indiciados por esse crime.

Foi retirado o flagrante por associação criminosa e, no caso da lesão contra o policial, o juiz entendeu que houve o crime, "mesmo não havendo laudo de corpo de delito", como escreve no documento.

Como os brasileiros tiveram o relaxamento integral do flagrante, receberam os alvarás de soltura. Já os palestinos receberam punições cautelares, sob a justificativa de "risco para a ordem pública".

O juiz salientou ser "necessária correta verificação das dinâmicas dos fatos", com a possível revisão após o exame de corpo de delito da vítima da explosão e novos laudos periciais, e determinou que Zarif e Alsayyd compareçam mensalmente em juízo, proibiu o acesso dos dois imigrantes a manifestações contrárias à Lei de Migração, contato com qualquer das vítimas e se ausentar da cidade por 15 dias sem autorização prévia.

DIREITA

Coordenador da Direita São Paulo, grupo que organizou a passeata, André Petros Angelides disse que o grupo protestava "pacificamente" quando, quase em frente à estação Consolação de metrô, "uma bomba caseira foi jogada na direção da gente". "Eu vi a bomba saindo da calçada e caindo no meio da galera. Machucou a perna de um dos nossos manifestantes."

A organização postou um vídeo em que os dois lados trocam socos e chutes. Quando policiais intervêm (ora para separar a briga, ora para coibir os agressores), começa o coro: "Viva a PM! Viva a PM!". Também escuta-se alguém dizer: "Comunista tem que morrer".

Com nariz sangrando, um representante da direita diz que foi "agredido numa manifestação pacífica". Um senhor chamado de Antonio, com a blusa manchada de sangue, afirma: "É uma vergonha, é uma vergonha. Comunistas vagabundos!".

Outro vídeo mostra o momento em que um bomba é arremessada por um rapaz de camisa branca contra o protesto. A Direita São Paulo diz que o artefato veio de um rapaz "de etnia árabe". Só é possível ver que ele não participava da passeata. Angelides afirma ainda que um rapaz "agrediu uma mulher do nosso grupo, deu um soco no queixo dela". Só aí eles teriam revidado. "Ele acabou sendo agredido."

Ele não soube dizer se algum manifestante do Direita São Paulo foi levado à delegacia. "Mas [nossa postura] se enquadra como legítima defesa, né, querida. Uma bomba foi jogada no meio do nosso grupo. Isso é um ato terrorista."

A página Direita São Paulo publicou um vídeo no Facebook, afirmando que "terroristas árabes" atacaram o grupo. Veja:

Em vídeo postado no Facebook, o presidente do Direita São Paulo, Edson Salomão, diz que "um desses agressores é estrangeiro, muçulmano e de nacionalidade palestina".

"Veja só o tipo de comportamento ele quer trazer para nossa nação. Sabemos que ele é totalmente contra Israel. Nós apoiamos declaradamente Israel, como na marcha pró-Trump [o presidente dos EUA, Donald Trump] que realizamos em setembro passado", afirma. Salomão diz que o suposto agressor seria reincidente, por já ter usado de violência contra manifestantes antes, o que o juiz Amaral Neto negou em sua decisão.

Neto de boliviana e grego, Angelides afirma que o problema não são imigrantes em si, mas aqueles que não se adaptam à cultura brasileira. Diz ele defender a vinda de "gente honesta" –uma "imigração com fundamento" e sem "fundamentalistas islâmicos", como estaria ocorrendo na Europa.

Marcharam na terça contra a nova lei da migração, proposta em 2015 pelo então senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), hoje ministro das Relações Exteriores. "Todo mundo conhece o passado dele, de terrorista, de motorista do Carlos Marighella. Agora ele não deixa de ser um terrorista de terno, com o poder da caneta na mão", diz Angelides.

Na juventude, Nunes militou na Ação Libertadora Nacional, grupo de guerrilha capitaneado por Marighella contra a ditadura militar.

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Lei da Migração

Aprovado no Senado em 18 de abril, o projeto amplia os direitos e deveres do migrante no Brasil, regula sua entrada e estada no país e revoga o Estatuto do Estrangeiro, legislação de 1980 oriunda do regime militar

Princípios

- Repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e outras formas de discriminação

- Não criminalização da imigração

- Acesso igualitário e livre do imigrante a serviços, programas e benefícios sociais

Principais mudanças

- Desburocratização ao regulamentar estrangeiros que vivem e trabalham em território nacional

- Criação de uma carteira de identificação que dará direitos de cidadão do país ao migrante

- Fim de restrições como a proibição de estrangeiros participarem de manifestações políticas e sindicatos, de fazerem transmissões radiofônicas e serem donos de aeronaves

- Veto da pronta deportação de migrantes detidos nas fronteiras, garantindo-lhes acesso a um defensor público

- Prazo de 24 horas para decidir sobre os migrantes que passam dias ilhados no chamado "conector", área dentro do aeroporto de Guarulhos

- Consolidação de vistos humanitários, que até então eram concedidos apenas de forma extraordinária para haitianos afetados pelo terremoto de 2010 e pessoas fugindo da guerra da Síria

- Criminalização dos "coiotes", traficantes que promovem a entrada ilegal de estrangeiros no país ou de brasileiros em país estrangeiro. A ação será punida com reclusão de dois a cinco anos, além de multa

Próximo passo

O texto segue para sanção do presidente da República Michel Temer (PMDB)


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