Folha de S. Paulo


Rajada em megarroubo manteve casal paraguaio três horas debaixo da cama

Mais um domingo acabava tranquilo para o empresário paraguaio Alejandro Anisimoff, 74. Deitado, ele assistia à televisão com a mulher, Angelina, 62. O sono já estava quase chegando, mas foi interrompido por uma rajada de tiros. Dessa vez, as balas não vinham da TV.

O bairro Defensores Del Chaco, em Ciudad Del Este (fronteira com o Brasil), sofria um ataque de bandidos. O alvo estava bem à frente da casa de Alejandro, do outro lado da rua estreita: a empresa de valores Prosegur. "Foi uma guerra de três horas", conta.

Ao final, estima-se que R$ 120 milhões foram roubados no episódio já conhecido como o maior assalto da história do Paraguai. A polícia desconfia principalmente de brasileiros ligados à facção criminosa paulista PCC.

Quando começou o tiroteio, Alejandro percebeu que atiradores estavam em seu telhado. Ele e sua mulher, Angelina, esconderam-se embaixo da cama. Ficaram nessa posição por três horas. Do outro lado da rua, apenas três vigilantes armados faziam a segurança da empresa. Eles atiravam de volta, tentando inutilmente rechaçar o ataque.

Segundo Abel Cañete, comissário da polícia paraguaia, o bando utilizou metralhadoras e fuzis que as polícias do Paraguai e do Brasil não dispõem. "Com esse armamento, era impossível um confronto", diz. Até havia um policial na rua no momento da ação, mas ele foi assassinado.

Para as polícias brasileira e paraguaia, o ataque vinha sendo preparado há ao menos um mês. Foi quando um grupo de brasileiros passou a morar em um sobrado de luxo na pacata rua Manday, bairro de San José, a 2 km da Prosegur e da casa de Alejandro.

O sobrado tem cinco quartos, sala, cozinha, ampla garagem, sala de jogos e de churrasco –ambientes equipados com ar-condicionado.

"Havia umas dez pessoas na casa, todas brasileiras. Entravam com carros e motos. Uma vez até falei com um deles, que me respondeu: 'Sou seu novo vizinho'", disse o morador do lado, que preferiu não se identificar.

A polícia não sabe ainda se a casa foi alugada ou comprada pelos bandidos. No local, foram encontrados cartuchos de munições, equipamentos para furar pneus e coletes salva-vidas (parte dos bandidos conseguiu fugir pelo rio). Peritos estão colhendo material biológico, como DNA e impressões digitais, para confrontar com os dos presos.

No portão, a reportagem encontrou uma conta de luz de janeiro no valor de R$ 400, em nome de um paraguaio.

Fabiano Bordignon, delegado da Polícia Federal brasileira, cita três pontos que sustentam a tese de que o PCC está envolvido no assalto:

1) a facção tem homens na região da fronteira, trabalhando no tráfico de drogas; 2) assaltos parecidos que ocorreram no Brasil tinham participação do grupo; 3) alguns dos homens presos sob suspeita pelo roubo são oriundos de São Paulo.

As polícias também investigam a participação de paraguaios e de funcionários da empresa Prosegur.

"As semelhanças com outros roubos, inclusive no Estado de São Paulo, nos fazem acreditar que a ação foi organizada pelo PCC. Esse tipo de crime não é para amadores", disse Bordignon.

A Prosegur informa que "o valor subtraído ainda está sendo calculado" e que sua ação e seus aparatos de segurança "permitiram suportar um ataque por mais de duas horas e limitaram a ação".

Rotas de fuga

BARRICADAS

No dia do assalto, parte dos assaltantes partiu do sobrado. No caminho, encontraram outros. Ao todo, a polícia estima que 30 participaram da ação. Carros e caminhões foram incendiados em ruas e avenidas para que policiais não pudessem chegar perto da empresa.

Debaixo da cama, Alejandro tentou ligar para a polícia paraguaia, mas os agentes não conseguiram se aproximar. "Minha filha, que mora aqui perto, ligou para a polícia brasileira para pedir ajuda, mas eles também não tinham como chegar porque o caminho estava bloqueado", conta Angelina.

Na rua, o tiroteio continuava: os bandidos tentavam entrar à força na empresa. Para isso, explodiram as paredes do prédio. "Escutei seis explosões. Para mim, foi um ruído de bomba atômica", conta Alejandro. Vizinhos contam que as explosões foram ouvidas a 5 km de distância.

O impacto destruiu a casa de Alejandro: todas as janelas se estilhaçaram, um portão de ferro está retorcido, um telhado caiu, as paredes racharam e parte do teto corre risco de desabar. O casal agora está morando com os filhos.

No domingo, os dois só saíram de casa quando os tiros e bombas cessaram e uma de suas três filhas gritou por eles. Ela não mora no bairro, mas chegou antes da polícia.


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