Folha de S. Paulo


Histórico de violência marca bairro onde morreu garota em escola no RJ

Ricardo Borges/Folhapress
Cartazes no colégio Daniel Piza, em Acari, zona norte do Rio, trazem nomes de crianças mortas por bala perdida
Cartazes colocado no colégio Daniel Piza, em Acari, após morte de estudante por bala perdida

O bairro de Acari, na zona norte do Rio, onde Maria Eduarda da Conceição, 13, foi morta dentro da escola na última quinta (30), é a antepenúltima estação da linha de metrô carioca para quem vai do centro em direção à periferia.

"O Estado aqui só chega com arma", define Diogo Henrique, 32, morador do morro da Pedreira, uma das favelas da região onde Maria Eduarda foi atingida por bala perdida na aula de educação física –enquanto bandidos e policiais trocavam tiros.

O episódio da morte da garota também ganhou repercussão com a divulgação em redes sociais de um vídeo feito nas proximidades no mesmo dia, com policiais flagrados atirando em dois suspeitos feridos e desarmados.

Conhecendo a rotina de violência na região, Henrique optou por matricular seu filho pequeno em um colégio mais longe. "Tem escolas perto de casa, mas eu não queria ir todo dia ao trabalho pensando que alguma coisa poderia acontecer com ele."

Bairro com alguns dos maiores complexos de favela da cidade e atendido por um batalhão policial com histórico de violência, Acari tem visto a sensação de insegurança recrudescer, dizem moradores.

A situação é tal que moradores do entorno do conjunto habitacional Fazenda Botafogo, do lado de fora da favela, instalaram cancelas e grades baixas nas ruas para tentar inibir assaltantes.

"Aqui há uma espécie de toque de recolher espontâneo por causa dos assaltos, que são diários. O comércio fecha quando escurece", diz Paulo Siviero, 28, da associação de moradores do condomínio.

O batalhão policial 41º, que atende a região, respondeu por 20% das 182 mortes de janeiro e fevereiro deste ano em decorrência de ações policias no Estado –os autos de resistência, casos em que policiais supostamente teriam agido em legítima defesa.

São também policiais dessa área que respondem pela Chacina de Costa Barros, bairro vizinho, em 2015.

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RAIO-X

89 foi o número de tiroteios em Acari no último ano, segundo o site colaborativo "Fogo Cruzado", da ONG Anistia Internacional

HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA

26.jul.1990
> Chacina de Acari: 11 pessoas, a maioria moradora de Acari, são sequestradas num sítio na Baixada Fluminense; os corpos nunca foram encontrados
> Mães das vítimas formam a associação "Mães de Acari"

Jan.1993
Edméa da Silva, uma das mães, é assassinada sem que o culpado fosse identificado

8.jan.1994
Doze pessoas morrem durante troca de tiros entre o tráfico e a polícia do Rio

26.jul.2010
Crimes prescrevem sem que ninguém fosse punido; investigações indicaram a participação de policiais civis e militares

30.mar.2017
Maria Eduarda Alves, 13, morre dentro da escola após ser atingida por balas perdidas; polícia e bandidos trocavam tiros

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Segundo resumo do caso feito pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), "cinco jovens foram mortos dentro de um carro com mais de 110 tiros, disparados por policiais militares. Os quatro PMs envolvidos ainda não foram julgados. Os policiais disseram que houve troca de tiros com os adolescentes, o que foi desmentido pela perícia".

A alta taxa de criminalidade é agravada pela localização. O bairro fica perto da avenida Brasil, que atravessa 26 bairros, e da rodovia Dutra, que liga Rio a São Paulo.

Essa é a principal explicação para esse batalhão ter concentrado 16% dos roubos de carga no Estado no primeiro bimestre deste ano.

A região atendida tem três favelas grandes, cada uma controlada por uma facção criminosa diferente (Terceiro Comando Puro, Comando Vermelho e Amigos dos Amigos), que tentam invadir os territórios umas das outras, afirma Ivan Blaz, porta-voz da PM.

"E, por causa da crise econômica, há menos recursos para operações preventivas. Aumentam ações repressivas e enfrentamento. Também há mais armas e um aumento do aliciamento de jovens para ações criminosas", diz.

BURACOS DE BALA

Em visita nesta segunda-feira (3) ao colégio onde a adolescente foi morta, a Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, a reportagem não viu nenhum carro da polícia, mas muitos sinais da violência de rotina.

A escola fica no pé do morro da Pedreira. Só em março, já fora fechada três vezes por causa de tiroteios. Há buracos de bala em janelas e nas paredes. O acesso na rua estava restrito por barricadas de pedra e carcaças de carros.

O muro do colégio foi pichado com mensagens de protesto e pedidos de paz dos moradores. Cartazes trazem os nomes das 33 crianças que morreram por bala perdida desde 2007 no Estado –20 delas de 2015 para cá, segundo a ONG Rio de Paz.

A escola atende a 720 alunos do 6º ao 9º ano. Apesar de ter boa infraestrutura, com laboratórios e quadras esportivas, sua pontuação no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), de 3,9, está abaixo da meta, de 4,1.

Com a unidade fechada, o diretor, Luiz Menezes, não sabe quando as aulas serão retomadas. Nesta segunda-feira, funcionários da Comlurb lavaram todo o prédio. "Não foi só uma lavagem literal, mas simbólica, também, para termos forças para continuar. O que não podemos fazer agora é desanimar."


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