Folha de S. Paulo


Explode pedido de refúgio de venezuelanos em Roraima

Após dois meses longe da família, o venezuelano Jose Rodriguez, 28, demonstrava não se importar de aguardar quase duas horas por atendimento.

Brincava feliz com seus dois filhos, recém-chegados ao Brasil, e celebrava a partir de agora receber em um mês o equivalente a um ano de trabalho em seu país.

Com os R$ 1.200 de salário numa empresa contratada para uma obra pela Prefeitura de Boa Vista, resolveu trazer a mulher e as crianças para a capital de Roraima, onde quer viver, razão pela qual foi à Polícia Federal protocolar pedido de refúgio no Brasil.

A espera, no entanto, é longa. Como ele, de 50 a 100 venezuelanos vão, todos os dias, à Superintendência da PF em Boa Vista, numa fila que não para de crescer.

Enquanto em 2014 houve 9 pedidos de refúgio protocolados no Estado, em 2015 foram 234. No ano passado, com o avanço da crise no país vizinho, o número alcançou 2.230 e, só nos primeiros três meses deste ano, já são 3.000, conforme a polícia.

"A vida aqui é mais cara, mas lá eu ganhava o equivalente a R$ 100 por mês. Passei dificuldade aqui vendendo morango e banana nas ruas, mas agora consegui um emprego fixo. Quero ficar", disse Rodriguez.

Segundo o governo de Roraima, ao menos 30 mil venezuelanos chegaram ao Brasil a partir da fronteira entre Santa Elena de Uairén e Pacaraima desde o ano passado, devido à crise de abastecimento no país governado por Nicolás Maduro.

Venezuela em crise

FILA

Além de se fixarem no Estado, estão se deslocando também para o Amazonas. Conselheiros tutelares de Manaus retiraram crianças e adolescentes venezuelanos de até 15 anos das ruas e os levaram para um abrigo municipal.

Mas, além dos pedidos já protocolados em RR, ainda há uma fila de 5.000 venezuelanos agendados para serem atendidos até outubro, segundo o delegado da PF Alan Robson Alexandrino Ramos.

A fila em frente à Superintendência da PF em Boa Vista começa a se formar todos os dias por volta das 6h30, apesar de a abertura do portão ocorrer somente às 8h. Uma hora antes, já havia 32 pessoas à espera de atendimento no dia em que a Folha foi ao local. Quando o segurança se aproximou para abrir o portão, 70 venezuelanos com documentos nas mãos aguardavam para protocolar seus pedidos de refúgio.

Entre eles estava o eletricista Marvin Torres, 33, que vive no Brasil há três meses. "A situação está muito grave na Venezuela, tanto na política quanto na economia. Quero conseguir trazer logo minha família. Lá não há comida e também não há dinheiro para comprar."

Já Roni Chavez, 26, também há três meses em Boa Vista, disse que trabalhou os sete meses anteriores na Venezuela para receber o equivalente a R$ 350. "Como cuidar de uma família assim?"

Levar a documentação à PF, no entanto, não garante aceitação do pedido de refúgio do estrangeiro. A PF funciona como recebedora da documentação e do pedido, que é encaminhado ao Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) para análise, de acordo com Ramos.

"Questionamos a pessoa do motivo alegado para o refúgio, recebemos e o enviamos ao Conare. O comitê ainda não julgou esses casos novos, tem julgado casos de 2015, que eram poucos."

Pedidos de refúgio protocolados em Roraima -

DEPORTAÇÕES

A maioria dos venezuelanos em Roraima está em situação irregular no país. Os pedidos já protocolados desde 2016 e os que aguardam atendimento da PF somam pouco mais de 10 mil, o equivalente a um terço dos estrangeiros que cruzaram a fronteira, conforme números do governo estadual.

No ano passado, a PF fez 514 deportações de venezuelanos irregulares encontrados em Roraima. "Quem estava em Boa Vista ou Pacaraima era deportado sumariamente em alguns casos. Eram colocados dentro de ônibus ou vans e apresentados às autoridades venezuelanas", disse o delegado.

Desde dezembro, no entanto, não houve mais nenhuma deportação. Naquele mês, forças de segurança do Estado levaram outros 450 venezuelanos em situação ilegal à PF para que fossem deportados, mas uma decisão judicial impediu e eles puderam ficar no Brasil.

Caso o estrangeiro se declare indígena –há cerca de 300 deles num abrigo municipal de Boa Vista, além de centenas espalhados pelas ruas da capital–, seu caso será avaliado com participação do Ministério Público Federal e da Funai (Fundação Nacional do Índio), segundo a PF.

O governo do Estado informou que a chegada em massa de venezuelanos causou demanda excessiva na assistência social, na segurança pública, na saúde e na educação –há cerca de 1.500 matriculados nas redes estadual e municipal de ensino.

Já a Prefeitura de Boa Vista disse que a imigração sem controle tem impactado a rotina da cidade e causado problemas sociais e humanitários. Cerca de 5.000 venezuelanos, mesmo os que estão ilegais, foram atendidos nas unidades básicas de saúde e no Hospital da Criança Santo Antônio.


Endereço da página:

Links no texto: