Folha de S. Paulo


Tubarão resgatado de casa no interior de SP se adapta à nova vida no litoral

"Quinta-feira, 23/3. Animal chegou hoje na quarentena. Movimentando-se ativamente pelo tanque, nadando em círculos o tempo inteiro. Natação sempre em sentido anti-horário." Extraído do documento "Monitoramento tubarão-lixa de Ribeirão Preto (Dentinho)", de autoria da veterinária Veronica Takatsuka, do Aquário de Ubatuba.

Há uma semana começou a nova vida de Dentinho. Mas, como se viu na reportagem publicada nesta Folha no última sexta-feira (25), o tubarão que cresceu em um aquário em uma residência no interior paulista é fêmea, ao contrário do que seu cuidador acreditava.

Assim, uma das primeiras providências do Aquário de Ubatuba é uma campanha pública para escolher um novo nome para Dentinho (a).

A partir desta sexta (31), qualquer um poderá participar de #BatizeUmTubarão, acessando a página www.aquariodeubatuba.com.br (o vencedor ganhará hospedagem em Ubatuba e passeio de barco, além de um tuba de pelúcia com o nome escolhido).

Após o resgate do tubarão –que contou com um caminhão-baú levando um tanque de 1.400 litros de água salgada, uma equipe de sete profissionais e 500 km de distância–, a grande dúvida dos biólogos era se o animal iria aceitar a alimentação em sua nova moradia.

Trecho das anotações da veterinária Veronica Takatsuka:

"Sexta-feira, 24/3. Animal demonstrou interesse pela lula, porém não se alimentou. Tentativa de alimentação por fora do tanque com pinça.

"Sábado, 25/3. Primeiro dia de alimentação [grifo no original]. Animal aceita bem o toque e o manejo. Rodrigo entrou no tanque e ofereceu o alimento. Filé de merluza e de corvina, camarão cinza [recusou um peixe betara inteiro]. Alimenta-se em estação ou em repouso. Natação sempre no sentido anti-horário."

NO MAR

Urra! Dentinho (a) está comendo 650 gramas ao dia, degustando ainda posta de bonito (que traz osso, ou seja, cálcio) e aprendeu a gostar da lula. Recebe também vitaminas três vezes por semana no tanque de quarentena de 20 mil litros.

Com 20 kg e 1,60 metro de comprimento, sua idade foi estabelecida em cerca de 7 anos (três anos e meio no aquário de Ribeirão; procedência anterior: ignorada). É uma jovem, que ainda não alcançou a maturidade sexual.

Ela poderá viver 30 anos. Poderá ter ninhadas de 20 filhotes de 30 cm, que saem de ovos de 10 cm ainda em sua barriga (o Aquário de Ubatuba inicia agora seu programa de reprodução em cativeiro com tubarões, após sucesso com raias). Ela poderá chegar a três metros de comprimento. Mas dificilmente poderá voltar ao mar.

O oceanógrafo Hugo Gallo Neto, diretor do Aquário de Ubatuba, enumera três razões pelas quais o "tuba" de Ribeirão Preto infelizmente não deve ser devolvido:

  1. Após viver três anos e meio dentro de um aquário, ela não exercitou o aprendizado de capturar alimento vivo no mar e sua musculatura não está apta para fugir de predadores;
  2. O animal pode ser portador de doenças; se colocado em meio a indivíduos silvestres, pode dizimar uma população (caso dos espanhóis que chegaram ao continente em 1492 trazendo doenças desconhecidas para os índios da América);
  3. A ciência recomenda não misturar populações diferentes, pois pode haver interferência genética; Dentinho (a) tem o dorso mais claro que os raros tubarões-lixa avistados na região de Ubatuba, indicando diferenças biológicas.

AMIGA

Trecho das anotações da veterinária Veronica Takatsuka:

"Segunda-feira. 27/3. Manhã: um filé de merluza. Tarde: quatro filés de merluza. Daniel entrou no tanque. Foi definido um local de alimentação."

"Terça-feira, 28/3. Posta de bonito, camarão sete barbas, lula, filé de merluza. Introdução do uso de placa para o animal de acostumar ao objeto."

A placa sinalizadora de Dentinho (a), anexada a um cabo, como se fosse uma vassoura, é magenta e amarela, no formato de uma pipa. Ao introduzir a placa dentro da água, os cuidadores esperam que ela atenda ao chamado e venha comer.

Difere da placa de Mortícia, o tubarão-mangona de 1,70 m e quase 60 kg que habita o tanque oceânico de 80 mil litros do Aquário. A placa de Mortícia –que tem cara de tubarão demônio de filme– tem o formato do sinal til (~) e é branca, amarela e vermelha.

Daqui a cerca de dois meses, quando terminar o período de quarentena de Dentinho (a), ela irá para o tanque junto de Mortícia.

Terá ainda a companhia de um casal de raias (que já teve filhos quatro vezes) e algumas garoupas, xaréus, baiacus e moreias.

Quando se encontrarem, ambas estarão de nome novo. O Aquário vai aproveitar a campanha #BatizeUm Tubarão para mudar também o de Mortícia. "Acho que estava passando 'Família Adams' na época. Foi um momento de pouca iluminação", lamenta Gallo. "É justamente essa associação com a morte que queremos evitar."

Além do rebatismo, outra coisa une as duas moradoras do Aquário. Ambas as espécies estão ameaçadas de extinção, o lixa desde 2004. A outra, desde 2014 no Brasil (desde 2000 internacionalmente).

Apesar da pesca proibida, a mangona é uma das mais vendidas como cação nas peixarias. Não se engane pelo nome comercial: cação não é tubarão pequeno. Cação é qualquer tubarão capturado, de cabeça arrancada, eviscerado e fatiado em postas.


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