Folha de S. Paulo


Bairro do menino do Habib's sofre com falta de segurança, lazer e saúde

Sete jovens assassinados em 2007 dão nome à praça onde os que sobreviveram se divertem na Brasilândia. Ali, no coração do distrito da zona norte de São Paulo, um samba reverbera dentro de uma pista de skate. "Resistência cultural, feito da quebrada para a quebrada", canta a banda na noite de domingo (12).

Sentado na beira da pista de skate, Jonathan Lima, 19, se mostra resignado. "Somos esquecidos aqui. Carentes do Estado, mas o Estado não tá nem aí." Ele é um dos 265 mil habitantes do distrito da periferia de 21 km² (o dobro do Morumbi, na zona oeste, ou três vezes o tamanho da Mooca, na leste), onde vive "desde sempre" com o pai vigilante e a mãe caixa de mercado.

A praça Sete Jovens era frequentada por João Victor, morador da divisa entre a Brasilândia e a Vila Nova Cachoeirinha. Ele morreu aos 13 anos em frente ao Habib's da região no fim do mês passado.

Baforava lança-perfume, segundo amigos, fato confirmado pelo laudo do IML, que também apontou traços de cocaína em seu sangue. O garoto pedia dinheiro na lanchonete e foi arrastado pelo asfalto por funcionários. Testemunhas dizem que ele foi espancado. Seu coração parou.

João Victor passava os dias na Brasilândia, condicionado às poucas opções de lazer proporcionadas pelos governantes –um contraste com a gama de iniciativas culturais independentes originadas ali justamente por isso. Quando as crianças saem de uma das 65 escolas estaduais e municipais da região, pouco têm para fazer. Por outro lado, estão expostas a seus problemas de saúde, segurança e mobilidade.

BRASILÂNDIA Distrito da zona norte sofre com falta de infraestrutura

Erguido na beira da Serra da Cantareira, que ocupa um terço de seu território, o distrito agora sob o Rodoanel foi ocupado na década de 1940 por pessoas expulsas dos cortiços e das fábricas do centro.

Nos anos 1990, as áreas de favela e de loteamentos irregulares –hoje metade da Brasilândia– se consolidaram, e a população começou a ir para a periferia da própria Brasilândia, segundo Cecília Angileli, autora de um doutorado sobre a cultura e a paisagem do distrito. "É uma expulsão contínua", diz.

MOSQUITO E SECA

Repleto de córregos e rochas, o local liderou o ranking da epidemia de dengue em 2015, com 9.724 casos –o triplo do segundo colocado, Itaquera (zona leste). Naquele ano, seus moradores também conviveram com um duro racionamento de água imposto pelo governo do Estado durante a crise hídrica.

Agora, se habituam a outros problemas: paralisadas, obras de uma futura linha de metrô deixaram um "cemitério" cercado de tapumes, por onde moradores temem passar por causa de assaltos. Perto dali, outra obra inacabada: a do Hospital Municipal de Vila Brasilândia.

Na porta de sua casa, que fica ao lado desse "cemitério", a autônoma Cleonice Bernardo, 51, reclama que "está tudo abandonado". "De manhã cedo ou à noite, sentimos medo ao passar pelas obras."

Sem contar a violência, que marcou a história da Brasilândia. À chacina de 2007 –que deixou um sobrevivente, paraplégico–, seguiu-se no ano seguinte o assassinato de um coronel da Polícia Militar que apurava a ação de policiais da região em grupos de extermínio. Policiais do 18º Batalhão foram investigados por sua morte, mas foram absolvidos. Eram conhecidos como "Matadores do 18".

A taxa de homicídios local é quase duas vezes a média do Estado. De fevereiro de 2016 a janeiro de 2017, a taxa de vítimas na região da delegacia da Vila Brasilândia foi de 18,11 por 100 mil habitantes, considerando a população estimada pelo Núcleo de Estudos de Violência da USP em 2013 (último dado disponível).

Sobram para essa população de 265 mil habitantes quatro equipamentos públicos de cultura. Há dois CEUs (Paulistano e Paz), uma Casa de Cultura (municipal) e uma Fábrica de Cultura (estadual). O primeiro cinema em muito tempo, da SPCine, foi inaugurado no ano passado.

"Aqui estamos cercados de 40 biqueiras [ponto de venda de droga], mas quantos equipamentos de cultura tem?", questiona o educador Fabio Lol, 27, um dos organizadores do "Samba do Bowl" –o evento dentro da pista de skate que acontece na praça Sete Jovens, onde há também um sarau mensal.

Ao redor do som, crianças brincam de pega-pega, jovens se equilibram em uma corda de slackline e bebem cerveja –compradas de um bar que as vende com as portas fechadas, por meio de uma janela.

Outras opções de diversão ali são os fluxos –os bailes funk na rua– e os "dancehall", de reggae. Quando podem pagar ônibus, porém, muitos saem do distrito e frequentam bares no largo da Matriz, na Freguesia do Ó.

Integrante de um coletivo de teatro, Thiago Silva, 25, caminha na rua sem asfalto que leva sua casa a uma praça onde ensaia. Sem estrutura, o local teve os brinquedos destruídos em uma enchente em 2011. Mas ele ressalta: os moradores enfrentam o descaso com as próprias mãos.

Exemplo desse empreendedorismo é a criação há um mês da empresa de motoristas Ubra, alternativa à Uber, que não opera na Brasilândia. Espaços de lazer, como o campinho na praça onde moradores disputam um torneio de futebol, também são mantidos pela população –no caso, coordenado por Tião, o Sebastião da Silva, 61. "Precisamos de reformas, mas a Brasilândia não dá Ibope", diz.

"Quando aprendermos que a Brasilândia tem valor, vamos poder interferir melhor no território –mas construindo junto, não levando para lá a arquitetura da cidade formal. A Brasilândia é um espaço de força e resistência", diz a professora Angileli.


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