Folha de S. Paulo


Doria encarna imagem do xerife com discurso duro e rotina fiscalizadora

Depois de se vestir de gari, o que fez logo na estreia no cargo, João Doria (PSDB) tirou do armário da Prefeitura de São Paulo um traje que já andava empoeirado havia algum tempo: o de xerife.

Ao longo dos tempos, a capital paulista teve entre seus chefes do Executivo figuras que adotaram uma imagem linha-dura.

O conselheiro Antônio Prado, primeiro prefeito da cidade, já trocava sua portentosa carruagem pelo cavalo nos anos 1900 para inspecionar mais de perto se tudo corria conforme suas ordens.

Mais tarde, alguns chefes do Executivo ganharam imagem quase policialesca, como Jânio Quadros, Paulo Maluf (PP) e Gilberto Kassab (PSD).

Tentando seduzir um eleitorado afeito a políticos desse estilo, o senador Romeu Tuma chegou a usar uma estrela de xerife como símbolo de campanha no ano 2000 (quando a então petista Marta Suplicy saiu vencedora).

Jean Galvão/Folhapress
ilustra xerife

Já o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) fugiu dessa tônica, em uma gestão marcada pela permissividade, segundo seus críticos, e pelo diálogo, de acordo com seus apoiadores. Durante os quatro anos do petista, proliferaram pela cidade tanto grafites quanto comércio irregular.

Doria assumiu com um discurso crítico a esse modelo.

O tucano passou a fazer visitas surpresas a repartições, participar de operações policiais e cobrar prisões de pichadores. Entre os programas criados por ele está o Cidade Segura, em que a prefeitura ajuda a Polícia Militar a fiscalizar motoristas bêbados.

"Falta disciplina na cidade e agora ela passou a ter essa disciplina por ter um comando", afirma Doria à Folha. "O prefeito é o grande zelador da cidade. E na zeladoria tem que ter atitude, comando."

Ele afirma participar pessoalmente das ações para dar o "bom exemplo". As operações são filmadas e transmitidas via internet para milhões de pessoas que seguem o prefeito nas redes sociais.

Na época de Kassab, fotos do prefeito lacrando comércios eram rotina. O atual ministro da Ciência e Tecnologia do governo de Michel Temer (PMDB), enquanto chefe do Executivo municipal, comprou brigas famosas ao fechar o shopping do chinês Law Kin Chong, a quem chamou de bandido, e um hotel do polêmico Oscar Maroni, dono da boate Bahamas.

Kassab diz que a pecha de xerife é "incompleta", mas admite o valor que dá à ordem.

"Reforçamos a importância de cumprir a legislação não para punir, mas para conscientizar sobre a importância de que todos devem fazê-lo e para privilegiar aqueles que cumprem a lei, que são a ampla maioria", diz.
Por enquanto, a principal briga comprada por Doria é com os pichadores da cidade.

O tucano reeditou a guerra do spray promovida por Jânio Quadros nos anos 80. Em sua gestão, a guarda municipal e a polícia já detiveram cerca de 70 pichadores. Outro prefeito que incentivava os guardas a mandarem infratores para a prisão foi Paulo Maluf, que criou uma mini-Rota (tropa de elite da PM) municipal.

Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, a imagem do prefeito-xerife agrada ao paulistano por ocupar uma lacuna deixada pela sensação de abandono da cidade. "Eu diria que [o prefeito] está apostando nisso para dizer que está colocando a cidade em ordem."

Teixeira diz que, se com o tempo não produzir melhorias reais na vida dos paulistanos, o efeito da estrela do xerife pode deixar de brilhar.


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