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Avanço do mar ameaça condomínios e lojas em praias da Grande Fortaleza

Marcel Rizzo/Folhapress
Caucaia 1
Condomínios colocam pedras para evitar erosão em praias da Grande Fortaleza

"Como está o mar"? A pergunta ao corretor de imóveis Antônio César Brígido de Moura, 71, feita pelo diretor de uma empresa estrangeira que pretende comprar terreno para instalar uma filial em Caucaia, na Grande Fortaleza, parecia curiosidade de turista -mas só parecia.

Saber como está o mar em algumas praias de Caucaia é importante, principalmente na de Icaraí, próximo de onde a empresa pretende se instalar. Não é exagero dizer que a praia está desaparecendo.

Há anos o mar avança sobre a costa, causando erosão, destruindo o comércio e afetando a vida dos moradores de condomínios e casas que se instalaram à beira-mar, não só com a desvalorização dos imóveis, mas com o risco de perda das moradias.

"Quando cheguei aqui, 14 anos atrás, tínhamos sete barracas de praia enormes. Em um Carnaval cheguei a vender 250 caixas de cerveja. Hoje está assim. Eu trabalho aqui, mas não tem como não dizer que parece uma favela?", pergunta Roseli Braz Arrais, a Rosa, dona da barraca Minero.

Editoria de Arte/Folhapress
Caucaia - CE
Caucaia - CE

A Cabana, a maior das extintas barracas de Icaraí, ficava na faixa de areia da praia e fazia festas todos os finais de semana, que atraíam centenas de fortalezenses e turistas no início dos anos 2000. No final da década passada, a faixa de areia foi diminuindo e a barraca, como parte da avenida litorânea, foi destruída pelo avanço do mar.

Barracas como a de Rosa hoje são pequenas e estão espremidas entre a avenida litorânea e a estrada que corta Icaraí em direção a outras praias. Existe faixa de areia por ali, mas em locais isolados e com distância da costa que não chega a 20 m.

Hoje a praia é frequentada por surfistas e algumas pessoas que sentam em estruturas de pedra à beira do que restou da avenida para beber uma cerveja e comer um camarão. A litorânea já teve oito faixas para carros, e hoje limita-se a uma estrada esburacada com uma faixa e meia.

"O que acontece em Icaraí e em outras praias próximas é relacionado ao balanço sedimentar costeiro: se sai mais areia do que entra [o mar leva], temos a erosão. Isso é relacionado também à questão dos eventos naturais, como o aumento do nível do mar, o vento. Mas também à ação do homem. A região tem perda de 7 m a 8 m de costa por ano, uma taxa altíssima", disse Luís Parente Maia, professor do Labomar (Laboratório de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará).

Nos anos 1940, a construção do porto de Mucuripe, em Fortaleza, interrompeu o processo de alimentação natural das praias, feito por meio do transporte de sedimentos de leste para oeste.

O litoral oeste do Ceará, onde está Caucaia, foi prejudicado com redução significativa da faixa de areia. Outras praias da cidade, como Pacheco e Iparana, sofreram com o problema e uma das mais famosas praias do Estado pode ter problemas em alguns anos.

PROTEÇÃO

A 10 km de Icaraí está Cumbuco, praia sensação da região metropolitana de Fortaleza atualmente, que atrai turistas para resorts com "tudo incluído" e para andar de bugue nas dunas. A previsão é que em pouco tempo a erosão também atrapalhe comércio e moradores, como em Icaraí.

"Icaraí, anos atrás, era tão concorrida quanto Cumbuco. É uma praia linda, limpa e que deveria ser novamente usada. Essa é nossa esperança", disse Alisson Paulineli, 37, taxista que mora há oito anos num condomínio à beira-mar.

Paulineli é uma espécie de líder informal dos moradores de Icaraí. Não gosta de ser chamado assim, mas é quem procura o poder público para tentar uma solução. Candidatou-se a vereador nas últimas eleições, pelo PRP, mas obteve apenas 135 votos.

"Hoje temos uma situação estável em parte da praia com o 'bagwall'. Meu condomínio está protegido, mas é uma situação temporária, sabemos disso. E é preciso estender o muro de contenção para o restante da praia, para proteger outros condomínios", disse.

O "bagwall" é uma estrutura em degraus, projetada para dissipar a energia das ondas e evitar a retirada da areia. A de Icaraí tem 11 degraus.

Essa obra já havia sido feita outras duas vezes, entre 2010 e 2015, e em ambas acabou destruída pela força do mar. O reforço feito na terceira versão tem dado resultado, mas é preciso completar a obra, que parou a poucos metros do condomínio no qual mora há oito meses Antônio César Brígido de Moura.

"Comprei o apartamento apostando que essa praia será recuperada e que a força do mar será contida", disse Moura. Sem o "bagwall" à frente de seu condomínio, ele improvisou comprando pedras para tentar dificultar o avanço do mar. "Gastei R$ 18 mil, mas ainda temos problemas."

Para o professor Maia, a solução definitiva para que Icaraí não desapareça, e até recupere parte de sua costa, é a colocação de espigões, estruturas perpendiculares à costa em forma de Y, T ou Z, que facilitam o acúmulo de sedimentos. O problema é o alto custo: mais de R$ 120 milhões.

Marcel Rizzo/Folhapress
Caucaia 2
O corretor Antônio César de Moura, em frente a casa destruída pela erosão

RESPOSTAS

O secretário de Turismo e Cultura de Caucaia, Paulo Guerra, disse que a prefeitura pretende finalizar a obra do "bagwall" e que ela parou por problemas de pagamento da gestão anterior. Há projeto, inclusive, para que o muro de contenção chegue até Cumbuco, mas Guerra admite que essa é uma situação temporária.

"Temos outras duas propostas. Uma do enrocamento aderente, que já foi usado em praias de Natal e Recife. São ajuntamentos de rochas e já enviamos pedido de auxílio financeiro ao Ministério da Integração Nacional."

O ministério, por meio de sua assessoria, informou que a solicitação da Prefeitura de Caucaia ainda não chegou.

O valor do "bagwall" e do enrocamento são similares, informou o secretário, cerca de R$ 30 milhões. Já para a colocação de 11 espigões, a solução pode ser uma parceria com uma empresa italiana.

"Essa empresa tem interesse em colocar 48 torres eólicas dentro do mar. Em contrapartida para uso da energia eólica por 30 anos, faria os espigões. Já entramos com pedidos de regularização nos órgãos ambientais e esperamos resposta", afirmou.

Sem ajuda privada, ele admitiu que os espigões são praticamente impossíveis. "Estamos em uma crise econômica. Quem colocaria R$ 120 milhões em uma única cidade na costa do Ceará?", questionou.


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