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No 'Carnaval da crise', folião de bloco vira ambulante para não perder festa

Alfredo Mergulhão/Folhapress
Funcionário público Marlos Pereira, 46, e a mulher, Jane, aproveitam festa para vender sacolé no Rio
Funcionário público Marlos Pereira, 46, e a mulher, Jane, aproveitam festa para vender sacolé no Rio

O "Carnaval da crise" transformou muitos foliões em vendedores ambulantes nos blocos de rua pelo país.

No Rio, estandartes e gritos anunciando "sacolés" –também chamados de geladinho, gelinho ou chup-chup em outros lugares do país– de variadas frutas com cachaça ou vodka disputavam a cena com as fantasias e as marchinhas carnavalescas.

Entre os "camelôs da folia", servidores estaduais querendo compensar os atrasos no pagamento de salários, universitários tentando financiar da faculdade à própria folia e egressos da construção civil depois do fim das obras na capital fluminense.

"Foi o único jeito que encontrei para aproveitar o Carnaval. Não abro mão do salário nem do Carnaval", disse Marlos Pereira, 46, funcionário da Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica), que encontrou nos sacolés a alternativa para aproveitar a festa.

Com dois meses de salários atrasados, Pereira vendia cada unidade por R$ 5 no desfile do AfroReggae, com ajuda da mulher, Jane Chaves, 46. Ele até criou uma marca para o produto: o Kolé-drinks, anunciado num estandarte com máscaras carnavalescas.

O servente de pedreiro Alexandre Simões, 34, está sem emprego desde outubro. Desde então, vende esses gelinhos para ganhar dinheiro e pagar as contas. Em média, foram 120 unidades por dia no Carnaval, cada um por R$ 5.

"De um ano para cá ficou mais difícil conseguir trabalho na construção civil. A gente precisa se virar", disse Simões, no Bloco das Carmelitas. O servente de pedreiro criou até um serviço de delivery com encomendas pelo WhatsApp –cujo número é anunciado em seu isopor.

O comércio de sacolés por foliões não é novo. Mas até quem já exerce a "dupla função" há alguns anos notou o aumento na concorrência.

"Cinco anos atrás era mais fácil, pouca gente vendia", conta Renan Dias, 31, que, acompanhado da mulher, Natalina Rosa, 38, cobrava R$ 4.

Os amigos Tiago Fortunato, 25, e Mariana Oliveira, 25, também entraram na onda da folia sem prejuízo. É a primeira vez que vendem sacolé.

"Dá bastante trabalho fazer. Mas as pessoas gostam e as vendas estão fluindo bem", disse Mariana, que faz faculdade de ciências sociais, mas está desempregada.

Fortunato dá aulas de alemão em um curso de idiomas, mas quer aumentar a renda. "A gente aproveita a festa e vende. Percebi que muita gente está fazendo, principalmente universitários", disse o rapaz, que estuda engenharia.

Aluno de direito, Wallace Barros, 27, é outro que viu no sacolé a chance de ganhar algum dinheiro: "A gente sabe que está difícil para todo mundo, então as pessoas trocam a cerveja pelo sacolé. É o produto ideal para vender nesta época do ano".

OPORTUNIDADE

Em Olinda (PE), houve de desempregados que trocaram a festa pela caixa de isopor a microempresário que aproveitou a folia para ganhar um "extra" em tempos de crise.

Foliona assumida, Gláucia Messias, 30, foi obrigada a abrir mão do Carnaval neste ano. Mãe de quatro filhas, a desempregada viu no feriado uma oportunidade de ganhar dinheiro, "ainda que seja só uma mixaria", como diz.

Moradora da periferia da zona norte do Recife, Gláucia aproveitou a bicicleta do marido, que também está desempregado, uma caixa de isopor usada e saiu para vender água e cerveja em Olinda. De casa até o "trabalho" são 30 minutos de pedalada.

"No ano passado, estava desempregada e resolvi brincar onde eu moro. Neste ano, quis me mexer, são muitos gastos com filhos e casa."

Pelos cálculos da comerciante, ela vendeu em média 60 garrafas de água por dia. "Já dá para começar o mês."

Dono de uma empresa de vigilância eletrônica, Fábio Monteiro, 28, não gosta de Carnaval. Em vez de aproveitar o feriado prolongado para descansar, foi para a folia "fazer um dinheiro extra".

Na caçamba do carro, vendeu bebidas e copos. "Na compra de três latões a R$ 10 o cliente leva um copo de 400 ml. A concorrência está grande tenho que inovar", disse.

Ele calcula que vendeu cerca de 250 copos por dia em Olinda e ainda "empregou" seis pessoas. As equipes se dividiram em mais dois carros. "A crise não poupou ninguém. O resto do pessoal, que já trabalha comigo na empresa, quis aproveitar essa oportunidade."

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