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Ex-guerrilheiro foca a sala de aula e foge de polêmicas na gestão Crivella

Ricardo Borges/Folhapress
O secretário de Educação do Rio, César Benjamin
O secretário de Educação do Rio, César Benjamin

O editor César Benjamin, 62, diz que as suas primeiras semanas como secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro têm sido trabalhar como um "despachante".

Buscar soluções para a fusão da pasta com a de Esporte e Lazer, a gestão de 22 vilas olímpicas abandonadas, resolver o deficit de professores e agentes de educação para pessoas com deficiência e organizar a volta às aulas de 650 mil crianças na rede municipal, há um mês.

Na avaliação de Benjamin, essas são as questões importantes para o dia a dia da escola, e não as polêmicas sobre ideologia de gênero nos colégios e escola sem partido –ambos citados pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB) na campanha eleitoral.

"Fora da estrutura educacional existem grupos ideológicos que disputam a educação. Mas eles são externos à rede. A influência e a importância desses grupos é zero. Não dou a menor bola para essas duas questões. Não vejo isso aparecer na minha relação com a rede", afirmou, em entrevista à Folha.

A nomeação de Benjamin chamou a atenção pela trajetória distinta da de Crivella. O prefeito, conservador, é bispo licenciado da Igreja Universal. O secretário, um ex-guerrilheiro que já foi filiado ao PT e ao PSOL –pelo qual disputou a vice-presidência, com Heloísa Helena, em 2006.

A relação entre os dois, contudo, já tem dez anos. Aproximaram-se em 2007, quando o então senador do PRB o convidou para dar aulas sobre história do Brasil a um grupo de pessoas. Desde então, Benjamin passou a colaborar com o mandato do senador, além de ajudar na elaboração de planos de governo de suas candidaturas.

"Ele tem um perfil que é o contrário do fanático religioso que muitas pessoas associam", diz o secretário, que afirma não ter lido o livro escrito nos anos 90 no qual o prefeito ataca homossexuais, católicos e religiões africanas.

"Só conheci o Crivella como senador. Tenho a impressão que os anos que ele passou no Senado podem ter sido importantes para ele."

Em março, o então pré-candidato à prefeitura ofereceu a Benjamin o posto de vice-prefeito na chapa, as pastas de Planejamento ou Educação. Ele optou pela última.

Desde o início do ano divide o secretariado com o coronel Paulo Cesar Amêndola (Ordem Pública), que afirmou ao jornal "O Globo" ter efetuado sua prisão em 1971, durante a ditadura militar, quando foi torturado.

"Isso não é um problema para mim. Nós nos encontramos na posse. Ele me deu um abraço muito carinhoso e disse: 'César, você estava cumprindo a sua missão, e eu, a minha'. Eu disse: 'É isso mesmo'. Nós precisamos nos libertar do regime militar para que os mortos não governem os vivos", disse ele.

CESINHA

Benjamin considera Crivella, que o chama de "Cesinha", um amigo. Recebeu dele uma rara autorização para aumento de gastos e convocou 825 professores e 900 agentes de educação especial aprovados em concurso para a rede.

O secretário diz ter como meta acabar com o analfabetismo funcional de crianças no ensino fundamental até o fim do ano. Quer criar escolas específicas para alunos com talentos em música, esportes e ciências e colocar todos os estudantes em horário integral de sete horas com mais três de atividades extra.

Benjamin é um dos raros nomes a ocupar o posto sem curso superior completo. Intelectual autodidata, ele obteve o diploma do ensino médio no Complexo Penitenciário de Bangu, onde passou o último dos cinco anos de prisão na ditadura. Chegou a cursar economia na UFRJ, mas não concluiu. Seu único título é de doutor "honoris causa" da Universidade Bicentenária de Araugua (Venezuela).

"Devo minha vida intelectual ao que aprendi no ensino fundamental em escolas públicas", disse ele, fundador da editora Contraponto.

No cargo, ele se vê como responsável por dotar as crianças de conhecimentos básicos para que sigam sua carreira escolar e ampliem suas perspectivas de vida.

Para Benjamin, isso não inclui levar para a rede o debate sobre ideologia de gênero, que mobiliza tanto movimentos sociais como a bancada evangélica.

"Combate ao preconceito, sim. Mas é diferente de achar que a escola deve estimular a criança a pensar na sua identidade sexual. Acho que o papel da escola não é esse, muito menos no ensino fundamental. Essas crianças têm que dominar leitura, escrita, matemática, ciências. A escola tem que dar instrumentos para a vida. Depois vão definir a vida que elas vão ter."

Benjamin diz não ser um intelectual de esquerda. Cita tanto o físico Albert Einstein ("Aprendi com ele a me fixar nos princípios e soltar a imaginação") como santo Agostinho ("Ama e faz o que queres") para afirmar estar aberto a debater novas visões sobre o mundo. Mas desafia: "Ao pessoal da esquerda que diz que não sou mais de esquerda, eu apresento a minha vida. Cada um apresente a sua".


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