Folha de S. Paulo


Velha Guarda Paulistana

Dona Cleuzi da Vai-Vai cuida do sambista do amanhã

Cleuzi Penteado

Quem um dia assistir a um desfile da Vai-Vai e vir uma criança ou adolescente se benzer ao entrar na avenida, saiba que se trata de um aluno de Cleuzi Penteado, 79. Ela é idealizadora e há mais de três décadas diretora do projeto que ajuda a formar novos sambistas numa das mais tradicionais escolas de samba de São Paulo.

O trabalho é tão importante para a escola que, na quadra costuma-se dizer "sambista que não passa pelas aulas de dona Cleusi não é Vai-Vai, não sabe muito de samba".

A história começou no fim dos anos 60, quando a Vai-Vai (escola do bairro do Bexiga) ainda não era uma escola de samba, e sim um cordão carnavalesco. Nos Carnavais, os cordões desfilavam com foliões fantasiados de reis, rainhas, príncipes e princesas. Uma corte inteira se formava e atrás da porta estandarte, que carregava o símbolo do grupo. Havia ainda o baliza, que fazia malabarismo com um bastão reluzente, numa formulação de desfile completamente diferente das escolas de samba atuais.

Após os desfiles, uma comissão de julgadores escolhia os cordões mais bonitos da cidade. Vem deste tempo, por exemplo, a rivalidade histórica entre Vai-Vai e Camisa Verde e Branco (da Barra-Funda).

Cleuzi conta que para se destacarem na competição com a escola da Barra-Funda, a diretoria da Vai-Vai criou alas infantis em seus desfiles. "Então, tinha o rei e a rainha, que eram crianças", conta ela. A ideia deu certo, chamou atenção dos jurados e trouxe renovação de integrantes à escola. Desde então, o "Vai-Vai do Amanhã" virou assunto sério para agremiação.

Diego Padgurschi/Folhapress
Cleuzi Penteado, diretora do projeto Vai-Vai do Amanhã
Cleuzi Penteado, 79, diretora do projeto Vai-Vai do Amanhã

Nas aulas aplicadas aos mais novos, a sambista explica fundamentos do samba, detalhes da história da escola e, principalmente, como se portar num desfile de Carnaval. Nesse momento, para Cleuzi, o que mais importa é a empolgação, ou o que chama de "sangue do Bexiga". "Explico para as crianças que elas são como as veias da escola. É verdade que a bateria é o coração, mas sem a energia das crianças, a bateria não funciona e o sangue não chega ao coração", conta.

"E não tem essa coisa de [criança em] carro alegórico. Se tem é pouco. Aqui no Vai-Vai, carro é o mínimo. Criança é tudo no chão, é poeira, é favela".

Rígida, ela ensina coreografias, cobra presença em ensaios e acompanha as habilidades das crianças dentro da Vai-Vai. Cleuzi diz exigir ainda o bom desempenho escolar dos jovens sambistas. "Quem não passa de ano não desfila", diz.

A sambista espera criar entre seus alunos novos diretores de harmonia, carnavalescos, puxadores de samba e presidentes para a escola.

Cleuzi é representante de uma verdadeira dinastia do samba paulista, neta de Frederico Penteado, um dos fundadores da Vai-Vai, e irmã de Fernando Penteado, lendário diretor de harmonia, compositor e pesquisador do samba. Completam a família ainda uma ex-rainha de bateria e uma porta-bandeira, ambas alunas de Cleuzi.

"O ensinamento é passado para as novas gerações para que as tradições não se percam. Não pode se perder a essência do samba". Após décadas de trabalho, Cleuzi já perdeu as contas das milhares de sambistas que já formou.

Por sua contribuição ao samba paulista, Cleuzi Penteado recebeu o título honorário de "Embaixadora do Samba", concedido pela União das Escolas de Samba Paulistanas. Mas além da faixa, Cleuzi carrega no peito o sentimento de ter virado verso de samba, composto pela ala de compositores de sua escola de coração:

"Sua nobre missão só nos traz alegria. Há tantos Carnavais. O alvoredo cresceu floresceu (...) pois, você embalou um sambista criança. Agradeço a Deus por você existir. Se dedicar, sem desistir, parabéns a você Cleuzi", diz o samba em homenagem ao seu trabalho.

Escolas de Samba - SP


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