Folha de S. Paulo


Paulistano se rende às fantasias em meio à explosão dos blocos de rua

Carnaval de rua na Vila Madalena

A crise não borrou a criatividade paulistana. Com a explosão dos blocos, a cidade se viu apinhada de super-heróis, noivas e índios de diferentes etnias. Teve quem ressuscitasse antigos looks,

recauchutados com novos adereços. Muita gente incorporou santos, diabos e orixás, trazendo à folia os ares da diversidade e da tolerância.

"Ah, mas eu me monto mesmo", disse a booker internacional Gabriela Dianui, 25, moradora de Higienópolis, região central de São Paulo. Nos últimos dois meses, a ex-modelo deixou o guarda-roupa de pernas para o ar.
Revirou o baú. Padeceu por horas na rua 25 de Março,meca do mercado popular nacional, atrás de acessórios que pudessem ser incorporados às fantasias de Carnaval.

Sessenta dias de trabalho intenso resultaram em seis modelos para a festa. O primeiro deles, "Seremanjá", teve sua tarde de estreia no sábado (18), em meio ao bloco Maluco Beleza, encabeçado pelo pernambucano Alceu Valença, que arrastou uma multidão no Ibirapuera.

Marcus Leoni / Folhapress
O bartender Guilherme Faro, 21, que pesquisou pinturas de pele em indígenas para criar sua fantasia
O bartender Guilherme Faro, 21, que pesquisou pinturas de pele em indígenas para criar sua fantasia

Como a óbvia junção de nomes sugere, "Seremanjá" é uma mistura de sereia e Iemanjá. Produzida da cabeça aos pés —só o "make up" consumiu uma hora—, Gabriela era todo sorriso e uma só preocupação: "Já avisei os meus amigos: qualquer coisa, salvem a coroa!".

O ornamento era bijuteria agraciada com pedras preciosas cravejadas nas laterais. "Mandei fazer especialmente para esta ocasião", disse. "Tem valor superafetivo." Bom, aí, a gente nem pergunta o preço, não é mesmo?

As irmãs Leila, 32, arquiteta, e Chiara Leão, 29, administradora, levaram o quesito economia ao pé da letra.

No armário de bugigangas na casa delas, em Perdizes, encontraram fantasias do tempo das aulas de balé.

Compram umas pecinhas na 25 de Março, outras, em lojas "fast fashion", pediram ajuda para a avó costureira e abusaram da criatividade.

Resultado: Leila saiu de Cheetara, a guerreira destemida dos ThunderCats. Chiara foi de Mulher-Maravilha. "No começo, não sabia se teria coragem de partir louca desse jeito pela rua", brinca Leila. "É Carnaval. Agora, você pode", relativizou a irmã.

O comportamento das meninas ajuda a explicar como o paulistano está saindo do armário, ao entregar-se de vez à fantasia colorida.

"Era um sonho antigo, mas a gente nunca tinha se montado. A nossa oportunidade emergiu neste clima de festa", explica o médico Rodrigo Paulino, 32, ao lado dofotógrafo Diogo Martins, 34.

Fantasiados de "Carmen Chita Miranda", os dois dançavam à vontade no Saia de Chita, que animou a rua Tucuna, em Perdizes, zona oeste, nesse sábado escaldante.

Com a compra das frutas de plástico, brincos e um par de anéis em formato de passarinho, eles gastaram R$ 150 —na 25, é claro. "A saia, eu mesmo costurei", contou o médico. Os dois pareciam satisfeitos com o resultado final. Martins explicou: "Pelo amor de Deus, é Carnaval. Um momento libertador".

Até mesmo quem jura de pés juntos não gostar da festa entregou-se a ela. Foi o caso do bartender Guilherme Faro, 21, morador da Mooca, zona leste de São Paulo. O moço atravessou noites em claro pesquisando na internet sobre pintura corporal de tribos indígenas brasileiras.

Curtiu o traço de algumas, apoderou-se das cores de outras, e o resultado se viu no desfile do bloco Ritaleena, na rua dos Pinheiros, numa tarde predominantemente dominada por "jovens pegadores", como a de sábado.

Não era o caso do rapaz, devidamente acompanhado da namorada, que lhe presenteou com um penacho. "Usei uma folha de papel sulfite para demarcar direitinho onde iria cada cor", explica, ao fazer, com as mãos, traços milimétricos imaginários no ar.

Outro que desdenhava da folia, sem abrir mão da fantasia, era o engenheiro Rui de Campos, 40, da Vila Madalena (zona oeste). No bloco Confraria do Pasmado, ele usava neste domingo (19) um quimono com as cores da bandeira norte-americana.

"Até agora, não fui atacado nem pelo pessoal da direita nem pelo da esquerda. Não é apoio ao Trump. É Rocky Balboa", referindo-se ao incansável boxeador interpretado por Sylvester Stallone.

"Falaram que eu tinha semelhanças com ele." No Carnaval, dá até para acreditar.

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