Folha de S. Paulo


VELHA GUARDA PAULISTANA

Romilda abandonou a própria casa para trabalhar no Peruche

Romilda da Unidos do Peruche

Certa vez, o irmão de Romilda Simões foi preso. O rapaz, magro, negro e de roupas brancas estava acompanhado da mãe e das irmãs à bordo de um bonde vindo da zona norte de São Paulo chegando ao requintado bairro dos Campos Elíseos, no centro.

O policial, assim que o viu, o deteve. Romilda, as irmãs e a mãe foram à delegacia acompanhar o irmão preso. Durante horas, a família tentou mostrar ao delegado que os instrumentos que o jovem levava nas mãos eram só para batucada. E que o desejo da família era só o de curtir o Carnaval.

"Por ser de bloco carnavalesco, a gente era muito perseguido pela polícia. Achavam que os carnavalesco era arruaceiro. Às vezes, nem estava fazendo nada, só porque estava cantando, dançando, a polícia prendia no começo do Carnaval e só soltava na Quarta-feira de Cinzas", explica Romilda

Romilda morava na Casa Verde, para além do então sinuoso rio Tietê. No início da década de 1950, a prisão do irmão quase a afastou do Carnaval. Fez com que ela negasse, por exemplo, a ideia de desfilar pelo Camisa Verde e Branco, tradicional cordão carnavalesco da Barra-Funda que mais tarde se tornaria escola de samba.

Na margem sul do rio, mais próxima ao centro, a concentração de policiais era maior e Romilda queria fugir de confusão. "A razão porque eles batiam, eu não sei. Porque a gente não fazia nada".

Acontece que o samba atravessou a ponte do rio e buscou Romilda em casa. O samba passava nas ruas de terra do bairro do Limão, ia aos bares, e jogos de futebol de várzea. Romilda se deixou levar e logo estava envolvida de novo nos cordões de Carnaval.

"Nos reuníamos na rua às 19h, escolhíamos um samba que tocava no rádio e saíamos pelas ruas tocando e cantando". Eram ruas de terra, sem calçamento, sem postes de luz.

Quando, em 1955, os sambistas da zona norte, entre eles Carlos Alberto Caetano (o "seu Carlão") decidiram em abrir uma escola de samba na região da Casa Verde, Romilda estava no meio. Foi então fundada a Unidos do Peruche.

Romilda começou a desfilar como passista pela escola. Nas horas vagas, costurava fantasias para outros integrantes da escola. "Eu não cobrava pela fantasia, não. A pessoa pagava só o pano. Eu queria ver mais gente dentro do samba", conta.

Houve o tempo em que Romilda abandonou a própria casa para trabalhar no Peruche com fantasias e para cozinhar para os operários que constroem os carros alegóricos da escola. "Eu costurava muito. Bordava a noite toda, principalmente as fantasias da bateria, da comissão de reis e de rainha. O povo tinha que estar na avenida", lembra. Aos 86 anos, Romilda já não costura. "A cabeça e a mão não ajuda mais", explica.

A sambista, que atualmente sai pela ala da Velha da Guarda do Peruche, carrega sobre o peito a faixa de "embaixatriz do samba paulistano", título honorário concedido pela União das Escolas de Samba Paulistanas a quem contribuiu para o samba de São Paulo.

Para Romilda, a faixa é o reconhecimento por ter se doado ao samba e ajudado aqueles que não tinham dinheiro para desfilar por suas escolas. "Além disso, tem que ter idade para ganhar essa faixa. Nenhum jovem de 20 e poucos anos vai ter uma faixa dessa. Que fez pelo samba, que andou a pé, tomou chuva e tomou sol, só os velhos mesmo", diz rindo.

"O samba é bom, o que não pode é acabar e perder a origem (...) com ele, a gente nunca está triste. E o samba tem uma coisa, a gente escuta e sempre conhece alguém daquele jeito. Se você conhece alguém que se arrependeu de alguma coisa, alguém que gosta de um goró, sempre tem samba sobre isso. E a gente diz: 'você está parecendo aquele samba assim... assim"

"Antigamente era mais das pessoas de cor. Hoje todo mundo vai no samba. As vezes tem samba até quando morre um sambista. Se até no enterro tem samba, que dirá no resto".

Escolas de Samba - SP


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