Folha de S. Paulo


Paulo Hartung, 59

Governador do ES nega aumento e defende ajuste fiscal

Joel Silva/Folhapress
Governador do Espirito Santo Paulo Hartung, na sede do governo em Vila Velha
Governador do Espirito Santo Paulo Hartung, na sede do governo em Vila Velha

Enquanto se recuperava de uma cirurgia para a retirada de um tumor na bexiga, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), que volta à frente do Executivo capixaba nesta segunda-feira (13), viu eclodir um motim de policiais militares sem precedentes em seu Estado.

Para ele, o fato tem a "mão peluda da política" para desestabilizar "um Estado que só vinha com notícia boa".

À Folha, o governador disse que é necessário romper o corporativismo no Brasil e fazer andar reformas estruturantes. Defensor da responsabilidade fiscal, ele afirma que a operação de resgate do governo federal para Estados que não cortaram gastos é "o avesso do avesso do avesso".

A entrevista foi concedida na sexta (10), horas antes de um acordo entre o governo e associações de policiais, feito à revelia de familiares da categoria. Apesar do acerto, só 1.236 agentes voltaram ao trabalho no sábado (11) e domingo (12). O efetivo da PM no Estado é de cerca de 10 mil homens. Diariamente, 2.000 fazem patrulhamento.

*

Folha - O Estado está há mais de uma semana com policiais amotinados e a população assustada. Faltou pulso do governo para enfrentar a crise?
Paulo Hartung - Nossa área de segurança vinha acompanhando um movimento que poderia ocorrer no Carnaval, e a área de diálogo com as entidades dos servidores foi mobilizada para evitar que isso acontecesse. A informação de que eu entrei no centro cirúrgico detonou esse movimento, uma coisa que dá uma tristeza profunda. É uma covardia.
Sobre a justificativa de ser o pior salário do país, não é. É o décimo salário do país, com grande atratividade no mercado capixaba. O argumento de sete anos sem aumento não fica de pé. Os praças receberam mais de 38%, e os oficiais, de 38% a mais de 50%.

O sr. se recupera de uma cirurgia e enfrenta a crise ao mesmo tempo. Como tem sido?
Administrar uma crise dessa proporção é difícil em qualquer circunstância em termos de saúde pessoal e, num quadro assim, é dificílimo. Esse início de recuperação é muito dolorido, mas tenho energia. Reassumo o governo com toda a disposição de cuidar dos desafios capixabas e contribuir para o debate nacional.

Os policiais reclamam do salário. Faltou diálogo?
Não. No concurso público, está o valor do salário, que tem a ver com a capacidade de pagar do Estado. Em 2015, tive de pagar parte de um aumento para a Polícia Militar dado pelo governo anterior. Há um conjunto de inverdades difundido com as redes sociais.
Essa ação de corporativismo criou um discurso –com competência, reconheço– que misturou interesses próprios com interesse nacional. Quando espreme, não tem interesse da sociedade. Quanto custa para a sociedade? Ou a gente quebra isso ou não põe esse país de pé. Muitas vezes nem se sabe quanto custa o que se está pedindo, mas "é o governo que vai pagar". Não existe governo. Se fizer uma despesa que não cabe no orçamento, tenho que aumentar impostos. Aliás, boa parte dos colegas governadores aumentou impostos. Esse país precisa quebrar essa estrutura corporativa através do debate.

O sr. falou em reestruturar a PM. O que significa?
Vamos passo a passo. A primeira parte é abrir procedimentos em relação aos crimes cometidos. Continuaremos a dialogar, mas cumpriremos a lei. Tenho admiração pela Polícia Militar, mas a instituição, liderada por forças diversas e usando artifícios, vem praticando um ato contra a lei.

Mas por onde passa essa estruturação? Pela punição?
No tempo certo, vamos anunciar. Quero discutir com a sociedade. Outra coisa que me preocupa é a evolução de assassinatos. Criamos um grupo de investigação. Não deixaremos pedra sobre pedra. Vamos elucidar os assassinatos e, se tiver conexão aqui ou acolá, será apresentado.

Por que o governo não divulga o número oficial de mortos desde o início da crise? O governo não tem esse número?
Serão todos divulgados. Desde meu primeiro governo, em 2003, não trabalhamos sem informações precisas do que está acontecendo na segurança pública.

Mas estamos sem informações precisas. Temos números do sindicato de policiais civis.
Esses números vão ser divulgados daqui a pouco, sem nenhum tipo de manipulação.

Por que não foi feito até agora?
Porque estamos administrando uma crise. O secretário de Segurança está correndo de um lado para o outro, mas vai se pronunciar. Não acho que sindicato que está lutando e pedindo aumento é uma boa fonte para este momento.

Não há a menor possibilidade de aumento? Seria possível ajustes pontuais e reorganizar as contas do Estado?
O Estado paga em dia para os policiais. Fiz um ajuste fiscal, e uma das prioridades era manter a folha de pagamento em dia. Você dá um sobrevoo no Brasil e vê quem está parcelando salários.
Não temos margem. Quando cheguei no governo, estava no limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo uma resolução do Tribunal de Contas de 2014. Nesse limite, não pode ampliar despesa de folha de pessoal. Foi debatido o mandato de uma presidente da República outro dia por causa da LRF. Vamos prescrever para o resto do Brasil descumprir? Não tem milagre. O Brasil precisa aprender. Precisamos viver com nossas possibilidades. Essa crise vai passar uma hora. Como a gente quer sair? Quebrado ou inteiro?

O sr. diz que o problema financeiro dos Estados não é a dívida com a União, mas a folha, e, por isso, cortou despesas. O Rio não fez isso e agora recebe socorro do governo federal. Sente-se injustiçado?
Claro. Estamos vivendo, vou citar Caetano Veloso, o avesso do avesso do avesso. Devíamos estar valorizando quem faz o dever de casa. E não ficar socorrendo às pressas quem está fazendo coisa errada em detrimento do resto do país. Por que o país está ferrado? Porque meteu o pé na jaca nos gastos públicos. E aí vamos passar a mão na cabeça de quem faz as coisas erradas e ter um certo olhar de descaso para quem está fazendo as coisas certas?

O sr. acredita que o caminho do ajuste é correto, mesmo com esse efeito colateral que estamos vendo?
É o caminho corretíssimo e que tinha que ter sido feito nos outros Estados. Temos que fazer da responsabilidade fiscal um valor da sociedade. Ainda há a ideia de que o governador paga a conta. Quem paga a conta são os contribuintes. Há uma pedagogia a ser construída no Brasil.

O sr. acha que por essa diferença de postura está sofrendo um ataque político?
Tem um componente político forte, é só olhar as redes sociais e ver de onde estão partindo. Tem mão peluda estruturando isso, no sentido de pegar um Estado que vinha só com notícia boa na mídia. Tem a mão peluda da política no sentido de tentar desmontar isso. Tem muita gente refletindo sobre por que algo assim ocorre no momento em que eu estava entrando num centro cirúrgico. Querem desestabilizar nosso governo, não se importando com o sofrimento da população.

O sr. vai deixar o PMDB?
Sou militante de um pensamento socialdemocrata. Aí já carimbaram que eu iria para o PSDB. O que é real é que tenho vontade de, em algum momento de reforma partidária, migrar para um partido que tenha aquilo que eu penso. Não tem ainda uma reforma política no Brasil infelizmente. Estamos com congestionamento na agenda reformista. As instituições políticas hoje estão divorciadas da sociedade O quadro partidário esfarinhou. Um país com 33 partidos não tem partido.

O sr. então fica no PMDB?
Fico quietinho trabalhando, mas lutando pela reforma política.

O sr. vai se candidatar a algum cargo nacional em 2018?
Estou muito focado em tocar esse governo e continuar debatendo o país e contribuindo para que medidas modernizadoras sejam votadas pelo Congresso. E quem pensar em próximas eleições nesse país está perdendo tempo. A preços constantes, o Brasil acaba elegendo um Trump verde-amarelo. Se não tiver um exercício de liderança coletiva no país que coloque essa agenda de reformas para ser votada, nós vamos cair na mão de um populismo que vai agravar mais a situação.


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