Folha de S. Paulo


Camille Brito, 11

Menina de 11 anos dá aula de balé para crianças em projeto social

Weimer Carvalho/Folhapress
Goiânia, GO, BRASIL 01-02-2017, Dias melhores: Em Aparecida de Goiânia, uma menina de 11 anos, Camille Brito, é professora de balé para outras crianças, que vivem em um bairro carente da cidade. As aulas fazem parte de um projeto que tem ações culturais e profissionalizantes. Ela dá aula desde os nove anos. Na época, ela percebeu que as meninas da região tinham vontade de aprender balé, mas não tinha condições de pagar pelas aulas. Sem voluntários para ensinar, ela mesmo se dispôs a ajudá-las.
Camille Brito, 11, com suas alunas de balé em projeto social em Aparecida de Goiânia (GO)

RESUMO Aos 11 anos, a estudante Camille Brito já vislumbra seu futuro. Independentemente da profissão que tiver –cantora, bailarina ou cheerleader (animadora de torcida)– deseja continuar ajudando tantas pessoas quanto puder.

Desde os nove anos, ela dá aulas de balé para um grupo de meninas carentes em Aparecida de Goiânia, em um projeto fundado pelo pai. Com o grupo da igreja que frequenta, esteve no Haiti duas vezes.

*

Quando eu tinha três anos e meio de idade, comecei a fazer aula de balé, na igreja. Com nove anos, quando estava no projeto [Crescer, criado pelo pai, pastor e psicólogo], vi que muitas meninas perguntavam se teria aula de balé. Mas minha mãe e meu pai nunca achavam uma pessoa para ensinar.

Um dia, em casa, vi na TV a história de uma menina com sua comunidade, dando aula. Então, eu perguntei para minha mãe: "por que eu mesma não ensino balé?"

Na primeira aula, ninguém foi. Fiquei triste. Tinha um sofazinho na sala [de aula]. Deitei e chorei, chorei, chorei.

Depois, elas foram vindo, vindo. Hoje, são 16 meninas. Tem pequenininha, de seis anos, e até mais velha do que eu, com 13 anos. Elas me chamam de senhora. Uma aluninha vai fazer aniversário e mandou um convite assim: "para tia Camille".

As aulas são uma vez por semana, na sexta-feira, que era meu dia mais livre. Antes, eu sempre lia um pedaço da Bíblia e orava com elas. Agora, uma amiga nossa do projeto está fazendo essa parte devocional.

Tudo o que aprendo no meu balé eu passo para elas. Faço aulas em uma escola duas vezes por semana. O que eu fico com dúvida, olho na internet para ver se é daquele jeito mesmo. Em casa, eu e minha mãe montamos as coreografias. Já criamos dois espetáculos, e apresentamos no final de 2015 e de 2016, sobre bulliyng. Todas já sofreram discriminação por questão física e racismo.

Elas criaram uma confiança grande em mim. Uma vez, uma aluninha começou a chorar porque a irmã dela tinha morrido. A música que a gente estava dançando falava de nascimento. Ela lembrou e chorou no meio da aula e acalmei ela. Nas férias, as meninas mandam mensagens para o telefone da minha irmã, perguntando quando vão voltar as aulas.

Ainda não achamos uma professora para me ajudar. Seria muito bom se encontrássemos, porque tenho que dar aulas com toda a turma junta e fica difícil ensinar algumas coisas, pois as menores não conseguem acompanhar. A sala também precisa de melhorias. Ainda não tem barra nem espelho.

Fico muito emocionada e orgulhosa de mim mesma por ter conseguido um tempo para ajudá-las. Eu acho que muitas pessoas têm o dom de dançar, mas não tem ninguém para ajudar. Meu sonho é ver as meninas se tornando bailarinas profissionais, nos palcos de verdade, dançando. Quando eu ajudo a pessoa, me sinto mais feliz.

AMIGOS NO HAITI

Todo ano, a gente [o grupo da igreja evangélica que frequenta] vai para o Haiti fazer missões. Já passei dois aniversários lá. Neste ano, a viagem vai ser em julho.

Lá, a gente fala um pouquinho de Deus para eles, vai aos orfanatos e aos bairros. A gente ensina, joga bola com os meninos e dança com as meninas. No ano retrasado, montei uma coreografia para os meninos de um orfanato. No ano passado, quando voltei, eles lembravam.

Eu fico feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz porque estou ajudando. Triste quando olho o estado das pessoas, aquele lugar todo destruído.

As escolas não têm nada. O quadro é um pedaço de madeira, que é a divisória das salas. É um galpão, um monte de criança sentada e um pedaço de madeira. É muito barulho, nem sei como eles conseguem concentrar.

Em 2015, uma menina soube que era meu aniversário, saiu correndo e pegou flores para me dar de presente.

No ano passado, também no meu aniversário, peguei uma menininha no colo e ela dormiu. Foi o melhor aniversário. Eu estava em uma cidade, e uma amiga que conheci no Haiti descobriu, pegou uma carona e foi lá me ver.

Pensamos em adotar um menino [Camille é filha única], mas ficamos com medo, é muito tempo esperando. Uma amiga nossa, dos Estados Unidos, foi adotar uma menina e, no dia que ela chegaria, não veio. Tinham dado a criança para outra família.

FUTURO

Estudo no período da manhã. À tarde vou para o inglês e para o balé. Também faço reforço escolar. Tenho dificuldade em matemática, não gosto de jeito nenhum.

Tenho muitos sonhos. Acho que minha profissão vai ser na área de dança, mas talvez até lá eu já seja cantora. Ou cheerleader –eu gosto. O que não quero nunca é parar de ajudar as pessoas.


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