Folha de S. Paulo


Governo do Espírito Santo acusa 703 PMs amotinados por crime militar

Após uma semana de motim no Espírito Santo, com homicídios em alta, saques e clima de insegurança nas ruas, 703 PMs foram indiciados pelo crime militar de revolta, que prevê de 8 a 20 anos de prisão. Esses policiais deixarão de receber salário e escalas extras desde o sábado passado (4) até o momento em que voltarem a trabalhar.

A informação foi dada na manhã desta sexta-feira (10) pelo secretário de Segurança Pública, André Garcia, e o comandante-chefe da Polícia Militar do Estado, Nylton Rodrigues. O Estado tem cerca de 10 mil PMs.

As mulheres de policiais também poderão ser responsabilizadas pela paralisação. Segundo o secretário, por solicitação do Ministério Público Federal, elas estão sendo identificadas e poderão ser indiciadas em um processo civil. Ele não informou quantas delas.

A punição pode ser arcar com as despesas do envio de tropas federais ao Estado. Há 3.000 homens da Força Nacional de Segurança Pública e das Forças Armadas no Espírito Santo.

Onda de violência no ES
PM está em motim desde o dia 3 de fevereiro

"Vamos restabelecer a disciplina e a hierarquia na PM. Vamos reconstruir a PM, uma nova PM, que não volte as costas para a sociedade", disse o secretário. "Esgotamos a capacidade de diálogo", completou, em referência a reunião de negociação frustrada na madrugada desta sexta.

O secretário afirmou que há uma força-tarefa na Corregedoria da PM para dar celeridade ao processo de responsabilização dos policiais. "Com isenção, sem perseguição, disse. Os inquéritos serão enviados ao Ministério Público Militar, que pode oferecer denúncia contra os policiais. Se a denúncia for aceita, eles serão julgados pela Justiça Militar.

Uma condenação superior a dois anos de prisão gera a exclusão dos policiais da corporação. Ou seja, caso sejam condenados, estarão automaticamente excluídos. Os policiais envolvidos, segundo o governo, são em sua maioria policiais mais novatos na corporação. O cargo mais alto atingido até agora é o de subtenente.

O crime militar de revolta, segundo a PM, é o aquartelamento (se recusar a sair do quartel) de policiais armados. Uma ordem dele feita na segunda (5) determinou que os policiais fossem diretamente ao local de trabalho sem passar pelo quartel. Assim, aqueles que foram ao quartel e não saíram são alvo dos indiciamentos. O secretário afirmou que a prioridade das tropas federais é oferecer segurança ao Estado, mas que a possibilidade de usá-las para retirar as mulheres dos quartéis não está descartada.

SUSPEITAS

O secretário da Segurança disse ainda que as ocorrências para desestabilizar a ordem pública serão investigadas para "identificar se há vinculação com esse movimento". "Tivemos um sério atentado à imprensa, à rede Gazeta", disse. A sede da emissora foi alvejada na noite de quarta (8).

Ele não descartou a participação de policiais nos episódios de violência registrados e mencionou ameaças a motoristas de ônibus e a morte de um sindicalista da categoria. "Quem acha que vai fazer essas coisas e sair impune está enganado. [...] Se houve participação deixam de ser policiais e passam a ser bandidos, e serão tratados como tal."

O secretário não divulgou o número de mortos desde o início da crise, mas afirmou que o que vem sendo divulgado não está longe da realidade. O Sindicato dos Policiais Civis fala em 127 mortes desde o início da paralisação.

O comandante-chefe da Polícia Militar do Estado fez um apelo aos policiais mais velhos para que influenciem os mais novos a voltar ao trabalho. "Para os mais novos é mais fácil arrumar emprego. Pense na idade que você já tem." O secretário também fez um apelo para que a população retome sua vida cotidiana.

RUAS VAZIAS

Na manhã desta sexta-feira (10), as ruas da Grande Vitória continuam vazias. Poucas pessoas saem de suas casas, e o serviço de transporte coletivo ainda não foi reativado. O comércio, aos poucos, vai sendo retomado.

Com o aumento do efetivo da Força Nacional e a presença de militares da Marinha e do Exército, no entanto, o número de ocorrências tem diminuído sensivelmente. Entre a madrugada e a manhã desta sexta, um homicídio foi registrado no bairro de Cobilândia. Houve tiroteios em bairros dos municípios de Vila Velha e Serra.

Homicídios no Espírito Santo - Foram 127 casos no Estado desde o início do motim da PM, segundo sindicato

Tal como nos últimos dois dias, supermercados da região abriram com esquemas de segurança reforçados. Segundo a Fecomercio-ES, cerca de 20% das lojas voltaram a atender. Alguns shoppings também decidiram abrir as portas, mas o movimento é muito baixo, segundo funcionários. Lotéricas que optaram por voltar às atividades registraram longas filas, já que bancos permanecem fechados, e as aulas em escolas continuam suspensas.

Ônibus também seguem parados. O presidente do Sindicato dos Rodoviários, Edson Bastos, afirmou que não garante o retorno às ruas. "Vou falar com a categoria que, enquanto não for seguro, não vamos rodar. O correto seria ter homens [militares das Forças Armadas e agentes da Força Nacional] dentro do ônibus, não só nos terminais", afirmou.

Agentes da Polícia Civil, em parceria com as Forças Armadas, também realizaram nesta sexta-feira uma megaoperação para recuperar carros roubados e posteriormente abandonados por bandidos na região metropolitana. Até às 12h, 11 veículos haviam sido recuperados, com duas pessoas presas e uma arma apreendida.

Nesta sexta, o secretário de Segurança Pública, André Garcia, fez um apelo para a população "para que ela retome a sua vida normal" e que o comércio volte a abrir porque há equipes das Forças Armadas nas ruas. "As coisas têm que funcionar e voltar a normalidade".

Uma feira que ocorreria neste mês foi cancelada por causa da crise na segurança.
A Feira Internacional do Mármore e Granito - Vitória Stone Fair, maior evento comercial do Espírito Santo, e a maior do país do setor de rochas ornamentais, seria realizado entre os 14 a 17 deste mês em Serra, região metropolitana de Vitória.

NEGOCIAÇÃO FRUSTRADA

Um encontro de negociação entre o Estado e os servidores de segurança começou às 14h30 de quinta (9) e durou até o início da madrugada desta sexta, no Palácio Fonte Nova, em Vitória. Após 11 horas sem que as partes concordassem, a negociação não foi suficiente para encerrar o protesto dos policiais.

Na reunião, o secretário de Direito Humanos, que representava o governo estadual, Júlio Pompeu, disse que haveria punição para eventuais crimes praticados pelos PMs, em referência à paralisação das atividades. "Nos comprometemos a apurar a responsabilidade dos indivíduos com justiça, responsabilizando dentro da lei, sem caça às bruxas."

Mais de 20 mulheres, que representavam os policiais, deixaram o local antes do fim do encontro. "A última proposta do governo foi falando que não tinha como dar aumento e que chegou ao limite da negociação", disse Fernanda, porta-voz do grupo, na madrugada desta sexta. Ela não quis informar o sobrenome.

"O salário dos PMs está defasado há sete anos. O governo não está vendo o tamanho da emergência. O movimento continua", completou.

Presidentes de associações militares também estavam presentes na negociação, mas não serão mais interlocutores do processo após a rodada iniciada nesta quinta (9), segundo o major Rogério Fernandes Lima, presidente da Associação dos Oficiais Militares.

"Após a resolução do impasse entre governo e manifestantes, as associações de classe se colocarão à disposição para o debate acerca do tema", disse ele à Folha.

Segundo disse o secretário de Direitos Humanos no encontro, o Espírito Santo não pode dar aumento aos servidores porque se aproxima do limite de gastos com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

"Estamos impedidos legalmente de dar qualquer aumento a qualquer categoria", disse Pompeu. A proposta, de acordo com ele, é condicionar o aumento linear a todas as categorias ao crescimento na arrecadação do Estado, verificado a cada quadrimestre.

Na reunião, o secretário também fez um apelo aos policiais para que voltassem às ruas ainda na manhã desta sexta e classificou o motim a situação como "hecatombe". "É a primeira vez que temos a PM inteira paralisada, isso é crime. Chega. Já deu. Já passaram a mensagem."

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PROPOSTA DE FAMILIARES DE POLICIAIS

  • Recomposição da defasagem salarial (47%). Houve contraproposta de 20% de reajuste imediato e 23% de reajuste escalonado
  • Anistia ao movimento
  • Suspensão das ações que responsabilizam as associações de militares
  • Incorporação da escala de horas extras à folha de pagamento

PROPOSTA DO GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO

  • Liberação das unidades da PM e retomada das atividades dos policiais às 6h da manhã desta sexta (10)
  • Apuração sem perseguição de crimes praticados e infrações administrativas
  • Cronograma para efetivar as promoções previstas em lei e ainda não cumpridas até o fim de 2017
  • Criação de comissão para avaliar a carga horária dos PMs e apresentar estudo para regulamentação em 60 dias
  • Encaminhamento à Assembleia, em 90 dias, proposta para exigir bacharelado em direito para concurso de oficiais
  • Apresentação dos resultados fiscais do primeiro quadrimestre para os policiais e demais servidores para dar prosseguimento às negociações
  • Desistência de ação contra as associações de classe, desde que o policiamento seja retomado
  • Continuação do diálogo para debater outras reivindicações, desde que o policiamento seja retomado

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