Folha de S. Paulo


Por corrida cara, motorista do Uber 'acampa' por 12 h perto de aeroporto

Zanone Fraissat/Folhapress
Cristiano Gomes, que esperou 12 horas para conseguir uma corrida
Cristiano Gomes, que esperou 12 horas para conseguir uma corrida

Eles estão sentados, sem os sapatos e com as barrigas à mostra, jogando baralho em uma mesa redonda coberta por um plástico vermelho. Quem terá a sorte grande? E quem vai perder o dia? Mas não é o jogo o tema desta reportagem, para azar deles.

O baralho é apenas uma das distrações usadas por motoristas do Uber que esperam por até 12 horas uma corrida no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo –o local recebe 370 voos por dia, em média.

Centenas de carros ficam parados em três "bolsões" perto do aeroporto –um terreno atrás de um hotel, nas ruas de um bairro de Guarulhos com prédios populares e no estacionamento de um hospital público.

Há um ano e meio no Uber, Paulo Diniz, 38, chega ao "bolsão" do hotel às 6h15 de terça (7): tem a esperança de conseguir uma corrida que compense o dia. A tela do seu celular mostra sua posição na fila do aplicativo: "+200".

Isso significa que há ao menos mais 200 motoristas a sua frente. Para ser chamado por um passageiro, terá de esperar sua vez. "Posso ser o número 201 ou o 500. O aplicativo só mostra esse +200", diz.

Às 7h, encosta Cristiano Gomes, 37. Mesma posição de Paulo: "+200". Ele tira o sapato, abaixa o banco do carro e dorme. Às 10h, Yuri Pinho, 23, estaciona. Ele vai para a rodinha do baralho.

VALE A PENA?

Depende. Financeiramente, pode valer ou não a longa espera no aeroporto.

Quando encostam no "bolsão", os motoristas sonham com viagens para o interior do Estado ou para cidades da Grande São Paulo. Rotas em que seja possível ganhar mais de R$ 100 livres –o Uber fica com 25% de todas as corridas.

"Já levei passageiro para Barueri por R$ 140", diz Carlos Pavoa, 22, comendo uma marmita servida em uma das barracas de comida montadas após o "bolsão" bombar. "Mas, na segunda, esperei seis horas e levei uma pessoa para o centro de Guarulhos. Deu R$ 22. Fiquei puto", diz Yuri.

O "bolsão" tem esse risco: por azar, o motorista pode aguardar horas e, quando finalmente é chamado, pegar uma corrida de pouco valor. O centro de São Paulo, por exemplo, é um destino pouco lucrativo –o motorista fica com R$ 35, em média.

Quem acha que vale a pena esperar argumenta que, ficando parado, o motorista economiza gasolina e não desgasta o carro. Quando uma corrida boa vier, se vier, ela compensa o tempo na fila.

"Se eu rodo no centro de São Paulo, gasto muito para fazer várias corridas de R$ 10. Aqui, posso demorar para ganhar, mas o custo é menor", diz Paulo Diniz. Ao meio-dia, finalmente o aplicativo apontava sua posição na fila: entre 180º e 190º –o número exato não é mostrado.

LIGAÇÕES

Os motoristas do Uber tentam diminuir os riscos do azar com algumas estratégias, dizem eles. A maioria liga para os passageiros e pergunta qual será o destino final.

Se o considerarem pouco lucrativo, eles fazem o seguinte: mentem que houve uma falha no carro ou simplesmente não saem do lugar. São formas de pressionar o passageiro, interessado em rapidez, a cancelar a corrida.

Com isso, o motorista não precisa fazer uma rota curta e barata, não perde sua posição na fila nem tem pontos descontados em sua avaliação e da taxa máxima de cancelamento que o Uber impõe.

A Folha confirmou a estratégia por duas vezes nos últimos dias. Em uma delas, a reportagem solicitou uma corrida para o centro de SP a partir de uma rua perto do aeroporto. O motorista ligou e perguntou o destino. Então ficou parado por vários minutos. Ele ligou de novo: "Vou demorar para chegar aí. Se você quiser cancelar...", disse.

Outro problema é que moradores de bairros próximos têm dificuldade em concretizar solicitações. Qualquer motorista do Uber vai automaticamente para a fila quando entra no perímetro onde estão os "bolsões".

Ele não consegue aceitar corridas dentro do perímetro, porque está no fim da fila. Já o motoristas que aguardam nos "bolsões" normalmente não aceitam chamadas de quem está fora do aeroporto, pois temem ter prejuízo.

Em nota, a Uber afirmou que nesta quarta (8) que diminuiu a área da fila para facilitar que moradores locais consigam solicitar o serviço.

A empresa diz que não tem influência no tempo de espera e que envia mensagem aos motoristas orientando "não valer a pena esperar por horas a fio". Também afirma que 45 motoristas foram "desativados" por burlar a fila virtual apenas nesta semana.

BANHEIRO E BICA

Enquanto aguardam no "bolsão" do hotel, os homens do Uber costumam jogar baralho ou dominó. Comem em barracas montadas por ambulantes e usam um banheiro químico por R$ 1,50. Eles também retiram água de uma bica em um matagal próximo.

À noite, uma nova leva estaciona para aguardar os voos da manhã. O local também recebe algumas prostitutas.

Por volta das 15h de terça-feira, Paulo Diniz já estava perto da 40º posição na fila. Cristiano Gomes, que havia dormido no carro, ocupava o número 80. Para Yuri Pinho, o aplicativo ainda mostrava a colocação "+200".

Uma hora e meia depois, Paulo finalmente foi chamado por um passageiro. Ele esperou por mais de dez horas. A corrida era para o Morumbi (zona oeste). "Pensei em recusar, mas já tinha perdido o dia todo. Aceitei", diz. Ganhou R$ 80 livres pela rota.

Cristiano só foi chamado às 19h, 12 horas depois de chegar. Recebeu R$ 50 para levar um rapaz até Pinheiros, também zona oeste. "Fazer o quê, a gente não escolhe..."

Eram 21h54 quando Yuri, no "bolsão" desde as 10h, ficou entre os primeiros. Estava esperançoso por uma rota boa. Então a sorte... O azar: o aplicativo falhou por um minuto e Yuri voltou para o fim da fila. No dia seguinte, por telefone, ele explicou como reagiu: "Meu amigo, eu chorei igual criança."


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