Folha de S. Paulo


Conselho penitenciário critica 'ideia de Moraes' de que é preciso mais armas

O presidente e outros 6 integrantes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, formado por 18 titulares e suplentes, renunciaram aos cargos nesta quarta (25), em carta endereçada ao ministro Alexandre de Moraes.

O documento enumera 13 razões do desligamento coletivo, todas ligadas a medidas recentes adotadas pelo governo Michel Temer (PMDB), antes e depois da atual crise penitenciária, que, em 15 dias do ano, teve mais de 130 detentos mortos em presídios. A informação foi antecipada pela coluna de Mônica Bergamo, da Folha.

Alan Marques - 6.jan.2017/Folhapress
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em entrevista sobre o plano de segurança pública
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em entrevista sobre o plano de segurança pública

Criado em 1980, o conselho tem como finalidade fazer inspeções em presídios, dar consultoria ao ministro da Justiça e editar resoluções para articular as ações dos vários agentes responsáveis pela execução penal. O pedido de demissão coletiva ocorreu após publicação de portaria que altera a quantidade de integrantes do conselho, elevando de 5 para 13 as vagas de suplência.

Na prática, a medida amplia a influência do atual governo no órgão, que até então tinha 18 integrantes –13 indicados na gestão Dilma Rousseff e outros cinco nomeados por Temer. O ministério disse, em nota, que os conselheiros que renunciaram se identificavam "com a gestão anterior".

O advogado Alamiro Velludo, presidente demissionário do conselho, rebateu. "Eu fui crítico do governo anterior. O que há agora, diferente do governo anterior, é uma postura de não diálogo", disse. "Foi uma medida do ministério para se blindar de críticas."

Além de Velludo, deixaram o conselho os também advogados Gabriel de Carvalho Sampaio, Hugo Leonardo, Leonardo Costa Bandeira, Leonardo Isaac Yarochewsky, o promotor de Justiça Marcellus de Albuquerque Uggiette, além do defensor público Renato Campos Pinto de Vitto.

Diante do racha, sete integrantes que permaneceram no conselho divulgaram nota em defesa de Moraes e em apoio ao Plano Nacional de Segurança de Temer, que inclui, dentre outras medidas, a construção de mais presídios. No comunicado, falam que havia "politização" do órgão.

Entre os que assinam a nota estão Roberto Porto, que foi controlador-geral do município de São Paulo na gestão Fernando Haddad (PT) e companheiro da filha de Temer.

Além de Porto, os demais membros do conselho são Maria Gabriela Viana Peixoto, Maria Tereza Uille Gomes, Otávio Augusto de Almeida Toledo, Fernando Pastorelo Kfouri, Andre Luiz de Almeida e Cunha, Aldovandro Fragoso Modesto Chaves, além dos suplentes Arthur Corrêa Da Silva Neto, Paulo Antônio de Carvalho, Marcos Roberto Fuchs e Ulysses de Oliveira Gonçalves Junior.

"Essa decisão foi fruto de um esgotamento da capacidade de ação de nós, conselheiros, críticos de um mecanismo autoritário e violento de lidar com questões sensíveis do sistema penitenciário nacional", afirma Hugo Leonardo, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e um dos signatários da carta.

Os integrantes que renunciaram dizem que medidas anunciadas pelo governo tendem a produzir tensões no sistema prisional, com "risco da radicalização dos últimos acontecimentos trágicos". Entre os questionamentos feitos estão a utilização das Forças Armadas para fazer a varredura dentro de penitenciárias, como no RN, medida anunciada após pressão de Estados por maior ajuda federal para conter a crise.

Na carta de renúncia, os conselheiros dizem ainda ser inaceitável a "índole assumida pelo ministério", que pareceria ser a de que "precisamos de mais armas e menos pesquisas".

Eles questionam também um indulto a presos mais restritivo redigido por Moraes em dezembro, sem considerar aprovações do conselho e a transferência de recursos do Fundo Penitenciário para ações de segurança pública.

RESPOSTA

O Ministério da Justiça divulgou uma nota em que agradece o trabalho realizado pelos membros do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) que pediram desligamento nesta quarta-feira (25), e afirma que o grupo "identificava-se com a gestão anterior".

"O conselho passará por renovação, o que proporcionará melhor compreensão do dramático cenário herdado. O descalabro penitenciário não é de hoje, não tem oito meses, mas décadas", diz o texto, que ainda insinua que o problema se agravou durante os anos de governo do PT. "Sobretudo, foi acentuado nos últimos 14 anos."

A pasta diz que o conselho propunha indultos sem aplicação prática plausível. "Por outro lado, o último indulto (já na atual gestão) separa o joio do trigo: concede o benefício àqueles que cometeram crimes sem violência ou grave ameaça e dificulta-o àqueles que cometeram crimes com violência ou grave ameaça."

O ministério também diz que não houve utilização indevida do Fundo Penitenciário Nacional "O ministério repassou aos Estados o inédito e expressivo montante de R$ 1,2 bilhão para construção e equipagem de presídios. Portanto, houve uso efetivo do fundo (e rigorosamente dentro do respectivo escopo)", afirma.

A nota diz ainda que os novos membros foram apontados para equalizar o número de suplentes, 5, com o de titulares, 13.

Os membros que permanecem no conselho após a renúncia coletiva assinaram uma nota em defesa do ministro da Justiça. Também declaram apoio ao Plano Nacional de Segurança, que "pela primeira vez se mostra como um modelo de gestão de política penitenciária e de segurança pública", diz o texto.


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