Folha de S. Paulo


Matança em Manaus põe gestão privada de presídios em xeque

Reprodução/Google Maps
Fachada da penitenciária Anísio Jobim, em Manaus
Fachada do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, onde 56 presos foram mortos

O fato de a administração do presídio de Manaus palco de 56 mortes ser de uma empresa privada reacendeu a discussão dos modelos de gestão das penitenciárias do país.

Alardeada como alternativa à falência do sistema carcerário, a gestão privada tem vantagens e desvantagens, mas está longe de ser solução mágica, dizem especialistas.

Dados de 2014 do Depen, Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, apontam que 34 (3%) das mais de mil unidades prisionais brasileiras são em modelo de cogestão e que 18 (1,4%) são geridas por PPPs (parcerias público-privadas).

Na cogestão, a unidade é construída pelo Estado, que mantém a direção e a segurança externa, enquanto a empresa provém a segurança interna, a alimentação e a hotelaria (limpeza, roupas de cama e banho e uniformes). Na PPP, a unidade é construída e administrada pela iniciativa privada.

MODELOS DE PRISÃO NO BRASIL Mais de 90% dos presídios têm gestão pública

Defensores desses modelos apontam que tragédias ocorrem ainda em maior número nos presídios estatais e que a eficiência da gestão privada depende do contrato feito com o poder público, bem como do monitoramento de metas.

Massacre em Manaus
Fachada da penitenciária Anísio Jobim, em Manaus

Os críticos avaliam que esse modelo é inconstitucional, porque a punição é prerrogativa do Estado, e citam problemas de administrações que só almejam lucro, e não ressocialização de presos.

"O Depen não estimula essas alternativas de gestão, mas entende que ela é uma saída para Estados que, por questões fiscais, estão limitados para contratar pessoal", afirma Marco Antônio Severo, diretor do Depen.

Segundo ele, ainda que os custos sejam maiores nos formatos de cogestão e PPP, como não incidem sobre os gastos com pessoal das máquinas públicas, limitados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, esses modelos podem ser opção para alguns Estados.

No Paraná, pioneiro em PPPs no sistema prisional em 1999, as unidades foram reestatizadas em 2006.

"Do ponto de vista financeiro, as PPPs são inviáveis para nós porque o custo-preso fica muito alto", diz Luiz Alberto Cartaxo, diretor do Depen do Estado.

O custo médio por preso lá é de R$ 3.300. As propostas da iniciativa privada elevavam esse valor para mais de R$ 5.000. "Cogitamos agora a terceirização de serviços de menor importância", afirma.

Para Regina Pacheco, coordenadora do mestrado em gestão e políticas públicas da FGV-SP, "existe PPP que dá certo e PPP que dá errado".

Em Pernambuco, por exemplo, uma PPP celebrada em 2009 para a construção do centro penitenciário de Itaquitinga, na Zona da Mata, para 3.000 presos, foi extinta depois que a empresa responsável pela construção do complexo faliu. A obra permanece abandonada.

No mesmo ano, foi celebrada uma PPP mineira que deu origem a um complexo em Ribeirão das Neves –apontado por defensores como exemplo de sucesso do modelo.

O contrato especifica, por exemplo, que o ganho da empresa é por vaga, e não por preso, o que proíbe a superlotação. Motins e fugas impactam negativamente na remuneração da empresa, enquanto o número de presos estudando tem impacto positivo.

"Precisa fazer um bom contrato e ter um verificador independente para monitorar diariamente seu cumprimento", avalia Pacheco.

PROBLEMAS

Nas penitenciárias geridas por PPPs, há impacto crucial no fato de presos ligados a facções não serem enviados para lá. "A coisa se torna mais fácil, e sobra problema para os presídios do Estado", diz Severo, do Depen nacional.

Para Valdir João Silveira, padre coordenador nacional da Pastoral Carcerária, este seria o principal motivo para o índice de reincidência criminal inferior à média nacional. "Trata-se de propaganda enganosa."

A Pastoral produziu em 2014 um relatório sobre unidades geridas por PPPs que aponta que, apesar de haver melhor qualidade nas instalações e nos serviços de saúde, presos dessas unidades citam rigidez disciplinar e falta de água e de alimentos.

O pesquisador Ítalo Lima, da Universidade Federal do Amazonas, viu de perto o impacto da terceirização nos presídios administrados pela Umanizzare no Estado.

"A empresa foi contratada para resolver o problema de falência do sistema prisional, mas o trabalho do agente penitenciário foi precarizado."

O contingente de funcionários, mal remunerados e sem treinamento, é baixo, o que piorou a segurança interna das prisões, com denúncias de tortura, diz Lima. "Agora, vivemos a falência do sistema já privatizado, cuja solução não será de curto prazo."

O custo que o Estado do Amazonas tem com seus presos em unidades geridas pela iniciativa privada é quase o dobro da média nacional.

Segundo dados do governo Estadual do Amazonas, no ano de 2016, foram pagos R$ 301 milhões à Umanizzare por serviços em seis presídios no Estado.

No Amazonas, a empresa tem sob sua responsabilidade 6.099 detentos, o que representa um custo médio de R$ 4.112 ao mês. Isso sem levar em conta os investimentos do próprio Estado nos presídios.

No Amazonas, a empresa tem sob sua responsabilidade 6.099 detentos, o que representa um custo médio de R$ 4.112 ao mês. Isso sem levar em conta os investimentos do próprio Estado nos presídios.


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