Folha de S. Paulo


Após congelar tarifa, Alckmin e Doria reajustam integração além da inflação

Após definirem em conjunto o congelamento da tarifa básica de ônibus, metrô e trens da CPTM em R$ 3,80 em 2017, o prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), e o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciaram nesta sexta-feira (30) reajustes acima da inflação na integração e nos bilhetes temporais. As novas tarifas passam a valer a partir de 8 de janeiro (domingo).

Na prática, os reajustes atingirão ao menos um em cada quatro passageiros do sistema municipal de ônibus (que tem 9,6 milhões por dia) e um terço dos usuários do sistema metroferroviário (7,5 milhões, com metrô e trem).

O congelamento da passagem de ônibus para o ano que vem foi promessa assumida por Doria logo após a eleição, medida que, após um momentâneo mal estar com o governo do Estado, foi seguida por Alckmin –em decisão antecipada pela Folha nesta quinta-feira (29). Nesta sexta (30), o governador citou a crise econômica para justificar a manutenção das tarifas em R$ 3,80.

O congelamento por mais um ano terá forte impacto nas contas da prefeitura e do Estado. Somando os gastos de ambos, os subsídios (diferença entre o arrecadado com as passagens e o que deve ser pago às empresas) para o ano que vem podem chegar à casa dos R$ 5 bilhões –valor suficiente para construir uma nova linha de metrô equivalente à 4-amarela, que hoje liga a Luz ao Butantã em 9,5 km de trilhos.

Os reajustes atingirão ao menos um em cada quatro usuários do sistema municipal de ônibus e um terço dos usuários do sistema metroferroviário.

A integração entre os ônibus e trilhos (metrô e CPTM) será reajustada de R$ 5,92 para R$ 6,80, um aumento de 14,8% –acima dos 6,4% da inflação (IPCA) projetada para o ano.

REAJUSTES NO TRANSPORTE - Novas tarifas passam a valer a partir de 8 de janeiro

O Bilhete Único Mensal, criado pelo atual prefeito Fernando Haddad (PT) em novembro de 2013 e sem reajuste desde então, aumentará de R$ 140 para R$ 190, variação de 35,7% –a inflação desde a implementação é de 26,6%. Essa modalidade vale apenas para uso exclusivo de ônibus ou trilhos. Só no sistema de ônibus, há 455.303 usuários por dia que serão afetados com esse reajuste.

O tíquete mensal que integra ônibus e trilhos (metrô e trens da CPTM) passará de R$ 230 para R$ 300, aumento de 30,4% –a inflação é de 26,6%. Essa modalidade é sugerida para quem faz ao menos 45 viagens ao mês.

O Bilhete 24 horas exclusivo para ônibus ou trilhos, que hoje custa R$ 10, passará a R$ 15, variação de 50%. Já a versão que integra os dois modais sairá de R$ 16 para R$ 20.

Acima da inflação, os aumentos nas duas modalidades deixam os bilhetes menos atraentes.

Por exemplo, o Bilhete Mensal exclusivo para ônibus ou trilhos hoje vale a pena para quem faz ao menos 37 viagens por mês. Com o reajuste, o número mínimo ideal passa a ser de 51 viagens. Já o Bilhete 24 horas atualmente vale a pena para quem faz três viagens ou mais por dia –com o aumento, compensará para quem faz ao menos quatro.

Um passageiro que usa a integração ônibus metrô duas vezes ao dia gasta hoje R$ 11,84 e passará a desembolsar R$ 13,60.

CUSTO E BENEFÍCIO - Veja se valerá a pena ou não comprar os bilhetes temporais após os reajustes

O prefeito eleito e o governador decidiram extinguir a modalidade semanal do bilhete, uma das bandeiras de Haddad. Segundo anúncio, menos de 0,05% dos usuários aderiram a este sistema.

O Bilhete Fidelidade terá desconto de até 10,5%, de acordo com o número de viagens. Atualmente, no caso de 50 viagens, o desconto é de 15%. Os bilhetes Madrugador e Da Hora passarão de R$ 2,92 para R$ 3,40, aumento de 16,4%.

"[O congelamento em R$ 3,80 da tarifa base] evita dar o reajuste num momento de dificuldade, de desemprego alto, de queda de salário. Ao mesmo tempo mantém a saúde financeira das empresas [Metrô e CPTM]", disse Alckmin, em evento na estação da Luz.

Segundo o secretário de Transportes Metropolitanos, Clodoaldo Pelissione, a maioria dos usuários do sistema estadual não será afetada. "Entre dois terços e três quartos não precisarão tirar mais dinheiro do bolso para pagar a passagem", disse Pelissione, numa referência ao congelamento da tarifa básica em R$ 3,80.

Em dias úteis, trens e metrô transportam 7,5 milhões de passageiros. Já o sistema municipal de ônibus atinge 9,6 milhões.

QUEM SERÁ AFETADO - Como as tarifas de ônibus são pagas em São Paulo (em % de viagens mensais)

O secretário justificou os aumentos devido à falta de reajuste nos últimos anos. "[Bilhete temporal] está há três anos congelado. O bilhete madrugador faz dois anos que não sofre reajuste."

O congelamento da tarifa do ônibus inicialmente causou desconforto tanto a Alckmin quanto à direção do Metrô, empresa ligada ao governo.

O governador havia se mostrado incomodado em ter de arcar sozinho com o ônus político de um reajuste, e a companhia metroviária temia as consequências da medida.

Em entrevista à Folha, o diretor financeiro da empresa, José Carlos Nascimento, afirmou que o congelamento da tarifa dos ônibus proposto pelo futuro prefeito poderia levar a uma fuga de passageiros do metrô, caso só a tarifa do sistema de trilhos fosse reajustada.

Nascimento disse ainda que o Metrô, que passa por forte crise financeira, necessitava de um reajuste.

Mais de um mês após a eleição municipal, no entanto, a Folha revelou no fim de novembro que também o governo do Estado passou a estudar a hipótese de congelamento das tarifas do metrô e dos trens da CPTM.

IMPACTOS

A manutenção das tarifas em R$ 3,80 por mais um ano terá forte impacto nas contas da prefeitura e do Estado.

Para a futura gestão Doria, o congelamento pode elevar em pelo menos R$ 1 bilhão os gastos com subsídios às empresas de ônibus, segundo cálculos da Secretaria de Finanças da gestão Fernando Haddad (PT).

Na prática, isso significaria elevar em mais de 50% os gastos municipais com o sistema, hoje já em patamar acima de R$ 2 bi ao ano. O subsídio é o dinheiro repassado pela prefeitura às viações de ônibus para cobrir a diferença entre o que os passageiros pagam e os custos reais dos serviços prestados.

A prefeitura arrecada hoje perto de R$ 5,3 bilhões por ano com a tarifa, mas a quantia repassada às empresas pelo serviço prestado ultrapassa R$ 7 bilhões.

QUEM PAGA A CONTA - De onde vem o dinheiro para custear os sistemas de transporte em SP, em %

O valor adicional seria suficiente para construir 30 km de corredores exclusivos para coletivos.

Já os repasses do governo ao Metrô como reembolso pelas passagens gratuitas devem continuar a crescer: neste ano, vão ultrapassar os R$ 600 milhões, salto de mais de 120% na comparação com os R$ 264 milhões desembolsados no ano passado.

Até meados de novembro, dados de execução orçamentária mostram que Alckmin já transferiu R$ 529 milhões à empresa em razão das gratuidades –a única verba que a companhia recebe do governo estadual, já que, de resto, o Metrô é sustentável com suas próprias receitas.

Desse total, R$ 219 milhões se referem ao passe livre para estudantes de baixa renda e ao benefício da meia tarifa para todos os estudantes. Os demais R$ 310 milhões se referem a gratuidades para idosos, desempregados e pessoas com deficiência.

É um cenário bem diferente do que ocorreu em 2015, quando o governador tucano previu gastar R$ 330 milhões com todos os benefícios tarifários, mas deu calote de R$ 66 milhões (20% do total) e pagou só R$ 264 milhões.

Em relação à CPTM, o Estado repassou quase R$ 1 bilhão à companhia em 2015, valor que deve ser ainda maior neste ano.

Diferentemente do que acontece com o Metrô, no caso da CPTM não se trata apenas de arcar com os gastos dos passageiros transportados gratuitamente.

A companhia é dependente desse repasse de verba do Estado para manter suas atividades e requer maior aporte porque os deslocamentos em sua malha têm distâncias muito maiores que as percorridas pelo metrô, o que significa que o preço pago pelos passageiros não cobre todos os custos da operação.

AUMENTOS ANTERIORES

Nos últimos cinco anos, a tarifa de metrô, trens e ônibus municipais foi mantida no mesmo patamar, e as decisões sobre reajustes ou congelamento foram tomadas em conjunto por governo do Estado e prefeitura.

Em 30 de dezembro de 2015, Haddad e Alckmin decidiram reajustar as tarifas de ônibus, trens e metrô em São Paulo no começo de 2016.

O bilhete subiu de R$ 3,50 para R$ 3,80 –aumento de 8,6%, pouco abaixo da inflação acumulada no período, perto dos 11%.

Na ocasião, Haddad manteve os bilhetes únicos mensal e semanal congelados em R$ 140 e R$ 38, respectivamente, assim como ocorrera em janeiro de 2015.

Já o preço da tarifa de integração dos ônibus municipais com o sistema estadual de metrô e trens subiu de R$ 5,45 para R$ 5,92.

Haddad e Alckmin já haviam reajustado as passagens no início de 2015, quando subiram de R$ 3 para R$ 3,50.

Esse havia sido o primeiro reajuste após um hiato de aumentos desde os protestos de junho de 2013, quando as intensas manifestações fizeram com que a tarifa que havia subido para R$ 3,20 voltasse aos R$ 3 anteriores.

Além de São Paulo, dezenas de cidades do país tiveram que recuar dos aumentos diante do crescimento de protestos pelo país.

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