Folha de S. Paulo


No interior de SP, vítima adota 'ladrão de primeira viagem' que invadiu casa

Eduardo Anizelli/Folhapress
TATUI, SP, BRASIL, 19-12-2016, 14h00: Retrato da Ana Cristina Gagliardo, 43, no Forum de Tatui. Um adolescente tentou robar sua casa com uma arma de brinquedo. Quando entrou, ocorria um reuniao de oracao. As vitimas, percebendo se tratar de um brinquedo, tentaram convence-lo a desistir. Mesmo assim, ele roubou um celular. Foi preso e recebeu uma
Ana Cristina Gagliardo, 43, que adotou o jovem Pedro após experiência com justiça restaurativa

O estudante Pedro, 16, tinha uma arma, de plástico. Numa noite de um domingo de setembro, ele e um amigo bolaram um plano que parecia perfeito para eles: entrariam em uma casa, renderiam os moradores e roubariam o que pudessem carregar.

Por volta das 21h, os dois abriram o portão da casa da comerciante Ana Cristina Gagliardi, 43, na cidade de Tatuí, a 141 km da capital. Entraram na sala, encapuzados. A cena se anuncia como tragédia, mas o que aconteceu depois até hoje emociona quem participou dela.

Pedro, que nunca havia praticado uma infração e entrou na casa para roubar, acabou "adotado" por suas vítimas após passar por um processo de justiça restaurativa, que tem por objetivo evitar punições de encarceramento.

O método começa a ser usado na capital paulista, onde, nos cinco primeiros meses do ano, houve 1.333 apreensões em flagrante de menores de idade, ou um a cada três horas.

Quando anunciaram o assalto, Pedro e o amigo se depararam com oito mulheres em uma roda de orações. "Comecei a rir. Pensei que era alguma brincadeira. Duas crianças falando em assalto?", lembra a comerciante Ana.

Os jovens queriam levar celulares e as motos, na garagem. "Passaram tantas coisas na minha cabeça, não sei porque fiz aquilo. Não tem explicação", lembra o estudante.

O amigo de Pedro engatilhou a arma mais de uma vez. "Vi que era de brinquedo, ninguém engatilha mais de uma vez. Pedi para eles se acalmarem", relata Ana.

Os garotos fugiram, levando dois celulares -um deles da mãe de Ana. "Fiquei muito sentida, porque no aparelho havia as últimas fotos da minha mãe. Ela tinha falecido 40 dias antes", conta Ana.

Dias depois do roubo, Pedro foi apreendido por policiais militares -quase levou um tiro. "Acho que caiu a ficha naquela hora. Só fiquei pensando no meu irmão, que estava em casa", lembra.

Na delegacia, Ana teve de reconhecê-lo. "Quando olhei para ele, me deu muita pena. Esse garoto vai ser preso por minha causa? Me senti um caco. Pensava: esse menino pode virar um bandido se ficar preso, ele não é bandido."

No corredor, ela encontrou a mãe de Pedro. A metalúrgica Joana tentava entender. "A gente pensa que errou em algo. Fiquei desesperada de pensar que ele ficaria na Fundação Casa. Ele iria apanhar, virar bandido", afirma.

"Ela estava chorando. Dei um abraço e disse que queria ajudar. Sou mãe também. Os filhos fazem coisas que a gente não sabe, sempre escapa uma coisinha", explica Ana.

As vítimas procuraram Marcelo Salmaso, juiz de Tatuí que atua com Justiça Restaurativa, para tentar reverter a internação imposta a Pedro. O magistrado sugeriu o círculo restaurativo. O outro adolescente, também detido, teve que ser internado porque era reincidente em infrações.

CÍRCULO

Semanas depois, Ana e mais duas vítimas encontraram Pedro e sua família no Fórum de Tatuí. Em círculo, cada um falou um pouco de sua vida. Ana falou do trauma do assalto e do valor sentimental do celular roubado.

Pedro pediu perdão e chorou. "Senti que ele estava com muita vergonha. Achei tão bonitinho", diz Ana, emocionada. Eles entraram em acordo: o jovem iria fazer aulas diárias de futebol, um hobby seu, participar do grupo de jovens da igreja de sua mãe e tornar-se voluntário em um projeto social tocado por uma das vítimas do assalto.

Ele tem cumprido as medidas e diz não pensar em violência. "Nunca mais", promete. Ana termina: "É uma história de novela. As pessoas dizem que fui louca de perdoá-lo. Esse menino ganhou outra família, acredito que ele aprendeu. Todos aprendemos".


Endereço da página:

Links no texto: