Folha de S. Paulo


Para evitar internação de menores, Justiça reúne vítima com infrator

O Tribunal de Justiça de São Paulo passou a adotar no final deste ano o método conhecido como justiça restaurativa para resolver conflitos envolvendo adolescentes infratores na capital paulista.

Nesse modelo, agressor e vítima são colocados frente a frente, numa roda, para que o primeiro entenda os traumas e as consequências do seu ato de violência. Depois, as partes tentam entrar em acordo para que o adolescente repare sua infração.

Um dos objetivos é reduzir o número de medidas socioeducativas aplicadas a jovens envolvidos em casos de agressão, bullying e furtos.

Eduardo Anizelli/Folhapress
TATUI, SP, BRASIL, 19-12-2016, 14h00: Retrato da Ana Cristina Gagliardo, 43, no Forum de Tatui. Um adolescente tentou robar sua casa com uma arma de brinquedo. Quando entrou, ocorria um reuniao de oracao. As vitimas, percebendo se tratar de um brinquedo, tentaram convence-lo a desistir. Mesmo assim, ele roubou um celular. Foi preso e recebeu uma
Ana Cristina Gagliardo, 43, de Tatuí (SP), acolheu um menor de idade que assaltou sua casa

Apenas nos cinco primeiros meses deste ano, a Polícia Militar realizou, em média, uma apreensão em flagrante a cada três horas na capital. Nesse período, foram 1.333 casos, ou pouco mais de 10% do total registrado na cidade.

Normalmente, quem comete infrações mais graves, como nos casos de roubo, é alvo de outras ações, como internação na Fundação Casa.

A justiça restaurativa subverte a lógica da punição como forma de combate à violência. Para juízes e promotores da área, encarceramento nem sempre funciona, pois a pena é vista como uma "dívida" a ser paga, e não há reflexão sobre as transgressões

"A pessoa é presa e não vê sua responsabilidade. Diz 'vou pagar minha pena e sair zerado'", afirma o juiz Egberto Penido.

Na 1ª Vara da Infância e Juventude, no Brás (centro), onde atua, ele faz 20 audiências por dia. "O sistema punitivo não tem sido eficaz. Basta ver os altos índices de reincidência em nossos presídios."

A justiça restaurativa começou a ser aplicada em 2006, em cidades do Estado de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal.

Na capital paulista, iniciou com casos de menor gravidade da Brasilândia, na zona norte. Policiais e professores de nove escolas foram treinados com conceitos do modelo ao longo deste ano.

Agora, o tribunal e o Ministério Público de SP esperam expandi-lo para outros locais e aumentar o alcance das infrações -poderia ser aplicado em roubos, normalmente em casos sem reincidência.

CONSCIÊNCIA

O procedimento da justiça restaurativa começa com uma consulta à vítima do crime. Técnicos do TJ perguntam se ela aceita participar de um "círculo restaurativo". A reunião é uma espécie de autoanálise com participação do infrator, vítima, parentes e membros da comunidade. O juiz não comparece.

Nesse encontro, a vítima conta os prejuízos e traumas causados pela ação. Por sua vez, o infrator tenta explicar suas motivações -seus parentes contam um pouco da história de vida da família.

Depois dessa fase, chega-se a um acordo de reparação. Um jovem acusado de furto pode, por exemplo, ter de devolver o valor subtraído, participar de projetos sociais ou fazer uma campanha de conscientização na escola.

"Tomar consciência dos seus erros e dos danos que causou ao outro é um processo doloroso", diz Marcelo Salmaso, juiz em Tatuí (a 141 km de São Paulo). "Há pessoas que desistem e pedem para serem julgadas normalmente."

Tatuí, utiliza o modelo desde 2013. Ana Cristina Galhardo, 43, moradora da cidade, adotou o adolescente Pedro após um processo de justiça restaurativa. Ele assaltou a casa dela com uma arma de brinquedo, roubou um celular e, após ser detido pela polícia, pediu perdão e ambos fizeram um acordo.

O método usa o conceito de corresponsabilidade, ou seja, não só o infrator é o "culpado" por uma transgressão, mas toda a sociedade.

"Se um adolescente faz bullying, ele é o único culpado? Será que ele mesmo já não foi vítima?", afirma o juiz.

Tatiana Callé, promotora da infância em SP, tem esperança de que o sistema reduza a criminalidade. "Muitas vezes, o adolescente vai deixar de praticar infrações mais porque tomou consciência do mal que causou do que pelo medo da punição", diz.


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