Folha de S. Paulo


Fizemos de SP um oásis na calamidade financeira do país, diz Haddad

A seis dias do final do mandato, o prefeito Fernando Haddad (PT) aponta a melhora da saúde financeira da cidade como o seu maior feito em quatro anos. "São Paulo é hoje um oásis em meio à calamidade financeira que assola o país", afirma.

Haddad credita à falta de investimentos federais o descumprimento de metas previstas para o mandato.

Marlene Bergamo/Folhapress
Fernando Haddad (PT) no heliponto da prefeitura, no centro de São Paulo
Fernando Haddad (PT) no heliponto da prefeitura, no centro de São Paulo

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Folha - No último Datafolha, segundo a opinião do paulistano, o senhor teve nota 3,9.
Fernando Haddad - Não falarei de Datafolha, desculpa.

Onde o senhor errou, o que poderia ter feito de diferente?
Não falo disso, desculpe.

Mas é a nota da população.
Tá bom, não vou comentar isso, é um direito que tenho.

Mas o sr. pode dizer onde errou? O sr. perdeu a eleição no primeiro turno [para Doria].
O que estou disposto a falar é sobre as realizações do governo, o legado. Se for isso, bem, continuamos.

Mas podemos fazer perguntas.
Sim, mas posso declinar.

Onde o sr. acha que errou? O que faria de diferente?
A gente pegou um período extremamente turbulento do país. O fato de termos terminado a gestão com os melhores indicadores dos últimos 20 anos, nos transformando numa espécie de oásis no meio da calamidade financeira que assola o país, acho uma coisa bastante considerável, com a dívida controlada e boa parte do programa de metas cumprida, com exceção daquilo que dependia de outras esferas de governo, sobretudo do governo federal.
É uma demonstração de que atravessamos o pior momento da vida republicana recente com muita dignidade.

O sr. coloca o controle da dívida como principal legado?
Não. Acho que o recorde de investimentos em meio à maior recessão da história recente é prova de gestão exemplar, ninguém conseguiu fazer isso. Sei que é pouco valorizado.

A população não valoriza?
Não. Acho que o jornalismo, em primeiro lugar, não valoriza, e a população, por decorrência. A população não tem a comunicação direta com a administração. A comunicação é sempre mediada pelos meios de comunicação. Quando os meios não valorizam, é difícil a população, por si própria, valorizar.

A população tem interesse naquilo que é palpável.
Mas o papel da imprensa também é esclarecer a população sobre as circunstâncias em que o governo transcorreu. Tivemos vários contratempos, a crise da tarifa em 2013 [com os protestos de junho], a suspensão da planta genérica de valores [base para o IPTU], que só foi revertida um ano depois, com a perda de quase R$ 1 bilhão de recursos.
Tivemos uma decisão do Supremo de inconstitucionalidade do parcelamento de precatórios e a maior recessão. Quatro eventos que não se podia prever em 2012.

Metas de Haddad - Como o prefeito se saiu nas áreas municipais de maior preocupação dos paulistanos

Mesmo com investimentos, várias metas não foram cumpridas, como a entrega de 55 mil habitações. O plano não foi muito otimista?
Tem 35 mil ou entregues ou em execução [são 12.585 entregues]. E tem 20 mil que não foram contratadas porque o programa [federal] Minha Casa Minha Vida está suspenso há dois anos. Não há nada de extraordinário. O que dependeu da gente, fizemos.

O sr. repetiu isso [discurso sobre as dificuldades econômicas e a falta de dinheiro] o mandato inteiro.
Não repeti.

O sr. reclamou da falta de dinheiro federal, do IPTU.
Não reclamei. É que vocês chamam de reclamação o que são anotações. Vocês querem que a história não seja contada na sua integralidade.

Não cabe ao prefeito, diante dos obstáculos que surgiram, encontrar fórmulas de driblá-los? A própria lei do Plano de Metas prevê a revisão.
Com tudo isso, vamos cumprir quanto, 80%? [o índice correto é de 54,5%]

Quais seriam três legados e três pontos em que não conseguiu avançar?
O saneamento financeiro, que atribuiu à cidade grau de investimento, o sucesso da Controladoria e o recorde de investimentos em meio à maior recessão da história da cidade [são legados]. Colocaria um quarto, que é o planejamento urbano até 2030 [Plano Diretor e Lei de Zoneamento].

O sr. não inclui aí a redução de mortes no trânsito?
Como maior legado, não. São marcas setoriais, teria que falar de todas os outras.

E os negativos?
Queria ter avançado mais em locação social, na habitação. [Pensa por 12 segundos] Um Plano Diretor de Arborização teria que ser um plano da próxima gestão, o que São Paulo não tem até hoje.

A sensação de quem passa pela cracolândia é a de que se enxuga gelo. Não poderia ter feito algo a mais ali?
Sinceramente, não. Reduzimos dois terços do tamanho dela, segundo indicadores da própria imprensa. A imprensa dava conta de 1.500 frequentadores, temos pouco mais de 500. Foram reduzidos dois terços de um problema que ninguém enfrentou. Na área da segurança pública, não houve atenção por parte do governo do Estado. Vocês mesmos deram fotos do "cracódromo". Não há ação da Polícia Militar nem da Civil há 20 anos.

O sr. perdeu a eleição na periferia que ajudou a elegê-lo em 2012. Não faltou entregar essas coisas que a pessoa olha e diz 'O Haddad fez isso aqui', como os CEUs, por exemplo?
Os CEUs estão dentro do PAC [do governo federal]. São R$ 162 milhões prometidos que não chegaram.

O que faltou chegar à periferia para ser reconhecido?
Difícil separar as variáveis que fizeram que o eleitor tomasse a decisão de voto. A dificuldade foi geral. Evidentemente que há uma parte de nossa administração que tem que ser avaliada com o tempo. Acho que foi um contexto muito adverso. A própria campanha foi muito desvantajosa, porque reduziu-se em dois terços o tempo de TV. Para um governo que precisa explicar, o tempo era curto.

O sr. foi criticado por ter saído pouco do gabinete.
Isso foi um mantra que algumas rádios insistiram o tempo todo, mas que não correspondem com a verdade. Não houve cobertura da minha ida à periferia.

A futura gestão vai acabar com uma bandeira sua, a redução de velocidade nas marginais.
As mortes no trânsito vão continuar caindo. A cidade tem 17 mil km de vias, você está discutindo uma ou duas vias. Vai continuar caindo porque se imprimiu a diretriz da OMS [Organização Mundial da Saúde] e se colocou a fiscalização na cidade. São Paulo é uma cidade exemplar do ponto de vista de atingir as metas previstas pela ONU. A disputa simbólica em torno das marginais não vai frear o processo de civilização do trânsito.

O sr. acha que o Doria será um bom prefeito?
Pode, por que não? As condições adversas não vão se repetir. E os problemas insuperáveis, como eram os problemas de precatório e dívidas, que exigiram tremendas negociações, também não. A cidade hoje estaria em calamidade financeira se isso não tivesse acontecido.

Que tipo de atuação política o sr. vê para os próximos anos?
A mesma que eu tive depois que deixei o Ministério da Educação. Estou à disposição, mas você sai e torce para que as coisas se desdobrem da melhor maneira possível.

Mas qual é o seu rumo político em 2 de janeiro?
Dia 2 me apresento ao Departamento de Ciência Política da USP. Após 16 anos de governo, vou me dedicar, por alguns meses, à reorganização da minha vida privada.

O Haddad futuramente é candidato a quê?
Sinceramente, não estou pensando nisso.

É possível deixar o PT?
Não está no meu horizonte.


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