Folha de S. Paulo


Calçadão no centro de SP 'bomba' com happy hour, samba e muito sertanejo

Dois cantores, chapéus de cowboys e violões nas mãos, ligam os amplificadores voltados para o calçadão no centro de São Paulo. Começam: "Iêêê, infieeel /Eu quero ver você morar num motel..."

Rua Sete de Abril, 19h de sexta-feira (9), ainda não anoiteceu e centenas de pessoas cantam em coro esse que virou um dos novos clássicos sertanejos: "Infiel". Tem sido assim há quatro meses.

Inaugurado em setembro, o calçadão da rua Sete de Abril virou uma espécie de corredor que mistura "happy hour" e matinê de samba e principalmente de música sertaneja. Todos os dias.

Após a estreia, o novo espaço acabou enchendo a esquina com a rua Dom José de Barros. As sextas lotam: quatro bares espalham mesas na rua e disputam quem tem o som mais alto. Pedestres bebem cerveja e catuaba, dançam e paqueram. Os comerciantes comemoram o lucro e os moradores, incomodados com o barulho, reclamam.

Os dois quarteirões entre as ruas Gabus Mendes e Bráulio Gomes, antes livres para carros e com pouco movimento noturno, hoje estão abertos a pedestres. O trecho ganhou blocos de concreto como piso, bancos de madeira, paraciclos e piso tátil para pessoas com deficiência visual.

A obra custou R$ 2,1 milhões e durou um ano, enchendo de tapumes a Sete de Abril e espremendo os pedestre nos cantos. A gestão Fernando Haddad (PT) diz que a nova estrutura é um modelo piloto –futuramente, os blocos podem substituir o tradicional ladrilho português.

"Aumentou 30% o movimento, e continua crescendo", diz Antônio Edson da Silva, 34, gerente do restaurante Frigideira Grill, que tem happy hour com samba às sextas. O bar/restaurante tem shows e performances de DJs do lado de dentro, diz.

Ao lado, existe o bar Filhos da Fruta, que promove rodas de samba na rua. Às sextas, um grupo com instrumentos se junta para clássicos do estilo. Muitos cantam junto.

Já no Esquina da Sete, o maior bar da rua, os shows começaram em setembro. Hoje, são diários e revezam samba e sertanejo –com uma dupla que usa até chapéu de boiadeiro. Os músicos ficam dentro, voltados para fora, e as caixas de som são direcionadas para a rua, onde há mesas e gente dançando.

"O bar já tinha movimento, mas as pessoas não conseguiam chegar direito. Tinha o tapume das obras. Agora, o caminho ficou livre e a circulação aumentou", comemora Helio Pereira, 33, dono do Esquina, enquanto faz uma reserva para 30 pessoas para este sábado (17), "dia da feijoada" e samba.

Quem vai ao calçadão para curtir as matinês são trabalhadores do centro que vivem em outros cantos da cidade, como o auxiliar administrativo Cléber Reis, 30. Ele dá expediente em um escritório na rua 24 de Maio e mora na Penha (zona leste).

"Tinha uns tapumes horríveis aqui [na fase das obras], ninguém queria vir. Agora, saio do trabalho e venho tomar uma cerveja quase todos os dias. Quando o chefe vem, ele paga e bebo mais", ri.

As matinês normalmente terminam por volta das 23h. "Não adianta deixar mais tempo aberto, porque as pessoas vão embora para pegar o metrô", explica Helio.

TENDÊNCIA

Durante o dia, o calçadão tem movimentado o comércio, prejudicado pela obra durante um ano. Agora, as lojas usam aparelhos de som e vendedores com microfone para tentar atrair clientes. O barulho também tem causado reclamações entre moradores.

Para Camila D'ottaviano, professora de arquitetura e urbanismo da USP, o uso noturno dos calçadões é um avanço para a cidade, pois essas áreas são normalmente ocupadas apenas comercialmente durante o dia e, à noite, morrem.

"Como só há escritório, dá 19h e os calçadões ficam vazios. As pessoas têm medo de passar. Esse fenômeno de shows pode ser uma tendência importante para o uso do espaço público", explica.

Em outros pontos de calçadões do centro, os shows já estão se tornando tradicionais. Eles ocorrem principalmente na Barão de Itapetininga, no Vale do Anhangabaú e na rua Álvares Penteado, perto do Centro Cultural Banco do Brasil.

Nessas áreas, os bares e a rua são tomadas por mesas e por apresentações de samba e de sertanejo.

RECLAMAÇÕES

Os moradores de quatro prédios da rua Sete de Abril têm reclamado da transformação da via. Para eles, o calçadão tornou-se um problema.

O aposentado Manoel Carvalho, 67, agora dorme no banheiro de seu apartamento por causa do barulho dos bares. "A lei do silêncio não existe no centro. Todos os dias, um barulho altíssimo das lojas e, à noite, dos bares", diz.

"Não somos contra os bares, mas queremos ser respeitados no nosso direito ao sossego. Pagamos impostos. Estou pensando seriamente em me mudar e oferecer minha casa para os bares comprarem", reclama.

O jornalista Alfredo Gebrim, 59, resolveu se mudar da região há dois meses, também por causa do barulho do calçadão. "Vim morar no centro há dez anos, com uma esperança de revitalização que nunca ocorreu", reclama.

Uma das moradoras, que tem uma janela de frente para o calçadão, chamou a polícia quatro vezes na semana passada para tentar diminuir o volume dos shows, em vão. Ela também chegou a fazer um Boletim de Ocorrência após se sentir "intimidada" pelo dono de um dos bares, quando foi reclamar pessoalmente. Uma reclamação formal à prefeitura também já foi enviada.

Durante a semana, a reportagem constatou que os estabelecimentos voltam a aumentar o som depois que os policiais militares vão embora.

"Os prédios ficam longe, não entendo essa reclamação. E nós desligamos às 23h, não dura a noite toda", explica Helio Pereira, dono do Esquina da Sete.

"Não adianta você melhorar o movimento do calçadão se os moradores se sentirem incomodados com o barulho. É preciso que haja um entendimento entre todos, senão pode haver um fuga [de moradores]. O ideal é sempre o uso misto: habitação e comércio", explica Camila D'ottaviano, da USP.

Outra queixa de quem vive na Sete de Abril é o barulho que fazem os caminhões que recolhem o lixo de quatro caçambas instaladas na via. O lixo é normalmente coletado na madrugada, causando transtorno para quem quer dormir, dizem.

Durante o dia, as caçambas ficam tão cheias que chegam a transbordar, espalhando sacos de lixo pela via.

PREFEITURA

Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que enviará fiscais do Psiu (Programa de Silêncio Urbano) para fiscalizar se os bares estão se excedendo no barulho. Técnicos também vão verificar se os estabelecimentos têm alvará de funcionamento.

Também afirmou que estuda aumentar o número de caçambas de lixo na rua. A coleta de resíduos ocorre na madrugada, explica a gestão Haddad, porque "visa a melhor locomoção do veículo no trânsito e mais segurança dos pedestres, pois durante o dia o caminhão da coleta não consegue acessar a área devido à grande movimentação de pessoas".


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