O Ministério Público de São Paulo ingressou nesta sexta (16) com dois recursos destinados aos tribunais superiores de Brasília (STJ e STF) contra a anulação, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, dos júris dos policiais militares envolvidos no chamado "massacre do Carandiru".
Os recursos foram assinados por duas procuradoras, Jaqueline Martinelli e Sandra Jardim e, também, pelo chefe do Ministério Público de São Paulo, o procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio.
"Isso demonstra que não é uma questão individualizada, de um promotor, de um procurador. A nossa instituição está inconformada com essa decisão", disse Sandra Jardim. "Por quê? É um precedente que vai mudar a vida de milhares de pessoas. Então, a instituição Ministério Público está fechada em torno dessa questão, e o procurador-geral ao assinar esse recurso evidencia seu inconformismo", disse.
A procuradora se refere à decisão do Tribunal de Justiça de setembro deste ano que anulou cinco júris que haviam condenado 74 PMs pela morte de presos durante uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, no bairro do Carandiru, em outubro de 1992.
Como foi o massacre do Carandiru
Os júris foram realizados entre 2013 e 2014 –mais de 20 anos depois das mortes.
Para os desembargadores, os julgamentos deveriam ser anulados porque não é possível saber quem matou quem durante a ação policial (a chamada individualização de conduta) e, por isso, a decisão dos jurados contrariou provas nos autos.
Dois desembargadores, Camilo Léllis e Edison Brandão, decidiram por novos julgamentos.
Já o desembargador Ivan Sartori, ex-presidente do TJ, votou pela absolvição direta pelo crime, sem a necessidade de novos julgamentos. "Não houve massacre. Houve legítima defesa", disse Sartori durante a sessão do TJ.
A defesa dos PMs apresentou um recurso (chamado embargo infringente) para que a decisão de Sartori seja considerava vencedora.
Os recursos apresentados aos tribunais superiores pelas procuradoras busca evitar novos julgamentos. Até, segundo elas, os argumentos utilizados pelos desembargadores para anular os júris afronta as jurisprudências sobre o tema.
"Quando há versões, a versão acusatória e versão defensiva, se as duas estão com suporte nas provas, se os jurados –que são os soberanos para decidir a questão– fazem a opção por uma delas, isso não pode ser considerado manifestamente contraria às provas dos autos. Então, houve uma violação à essa norma processual", disse Jaqueline.
Que continua. "Também uma violação às garantias constitucionais no sentido de que as decisões dos júris são soberanas. Existe a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri. Só pode haver a anulação de uma decisão do júri quando essa decisão foi manifestamente contrária às provas dos autos, quando for algo teratológico, que não é o caso", afirmou.
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Julgamento do Massacre do Carandiru
Ação foi desmembrada de acordo com os andares do pavilhão 9
1º andar
Mortos: 15
Condenados: 23 policiais
Absolvidos: 3, a pedido da promotoria
Pena: 156 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias
2º andar
Mortos: 73
Condenados: 25 PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar)
Pena: 624 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias
3º andar
Mortos: 8
Condenados: 15 PMs do COE (Comando de Operações Especiais)
Pena: 48 anos de reclusão cada um
4º andar
Mortos: 15
Condenados: 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais)
Pena: 9 com pena de 96 anos cada um, e um com pena de 104 anos
Julgamento: 3 dias
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Cronologia
2.out.1992
111 presos são mortos na Casa de Detenção em São Paulo após invasão da PM
2001
Coronel Ubiratan, apontado como responsável pela ordem para invadir o Carandiru, é condenado a 632 anos de prisão, por 105 das 111 mortes
Fev.2006
Tribunal de Justiça de SP absolve o coronel, ao entender que a sentença do júri havia sido contraditória
10.set.2006
Ubiratan é encontrado morto; única acusada do crime, sua ex-namorada foi absolvida em 2012
21.abr.2013
Conclusão do julgamento do 1º andar
3.ago.2013
Conclusão do julgamento do 2º andar
19.mar.2014
Conclusão do julgamento do 4º andar
31.mar.2014
Conclusão do julgamento do 3º andar
10.dez.2014
Ex-PM da Rota que foi julgado separadamente é condenado a 624 anos de prisão; ele já estava preso pela morte de travestis. Seu caso foi separado porque, na época, a defesa pediu que ele fosse submetido a laudo de insanidade mental
27.set.2016
Após recurso da defesa, Tribunal de Justiça de SP anula todos os julgamentos
*Parte das mortes não resultou em condenações porque não havia provas de que haviam sido causadas por policiais
Fontes: Reportagem, Ministério Público e Fundação Getulio Vargas