Folha de S. Paulo


OPINIÃO

STF reconhece às mulheres direito de decidir sobre aborto

Ao declarar inconstitucional a criminalização do aborto nos primeiros três meses de gestação, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu às brasileiras um direito que vem sendo conquistado pelas mulheres, desde os anos 70, em diversas democracias ocidentais, como Alemanha, Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra, Holanda ou mesmo países predominantemente católicos como Portugal, Espanha, Uruguai ou Itália.

Estima-se que ocorram todos os anos no Brasil entre 600 mil e 1 milhão de casos de abortos inseguros, o que aponta para a ineficácia da criminalização, como medida de proteção dos fetos. Mais do que isso, a criminalização lança milhares de mulheres, especialmente as mais pobres, em redes clandestinas, onde sofrem danos físicos e psíquicos muitas vezes irreversíveis, quando não perdem a própria vida.

Conforme salientou o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, neste precedente histórico, o modelo adotado pelo Código Penal de 1940 não é apenas ineficaz, como impõe um ônus desnecessário aos direitos das mulheres. Isso porque haveria inúmeras outras políticas públicas muito mais eficientes na proteção da expectativa de vida dos fetos do que a simples criminalização do aborto, entre as quais a conscientização da população e mesmo o apoio a mulheres em dificuldades que queiram levar a cabo a gravidez.

O voto do ministro Barroso, acompanhado pelos ministros Rosa Weber e Edson Fachin, vai além da constatação da ineficácia e irracionalidade da política criminal do Estado brasileiro em relação ao aborto, ao reconhecer de forma explícita que as mulheres têm o direito de escolher se desejam ou não seguir com a gravidez, ao menos em suas etapas iniciais. Esse direito deriva dos direitos à autonomia, à integridade psíquica e física da mulher, dos direitos sexuais e reprodutivos e do próprio direito à igualdade, todos reconhecidos pela Constituição.

Esta decisão encontra alicerce também em dois importantes precedentes estabelecidos pelo Supremo. Ao decidir sobre a constitucionalidade das pesquisas com células tronco embrionárias, os ministros do Supremo deixaram claro que a proteção ao direito à vida avança na medida em que essa se desenvolve. Nesse sentido o embrião não merece o mesmo grau de proteção da pessoa nascida com vida. De outro lado, o Supremo ainda reconheceu a centralidade dos sentimentos e da vontade da mulher na definição sobre a interrupção da gestação, em casos de fetos anencefálicos.

Nesta última terça feira (29) a primeira turma do Supremo deu um passo além, ao concluir que o interesse do Estado de proteger a expectativa de vida de um feto, enquanto o não desenvolvimento do córtex central e viabilidade fora do útero, não pode prevalecer sobre o direito da mulher de decidir se deseja ou não levar a cabo uma gestação. A proteção deste bem jurídico deve ser feita por outros meios, que não o direito criminal.

Assim como outras cortes constitucionais ao redor do mundo, o Supremo assumiu a responsabilidade de suprir a inércia do legislador em conformar a legislação àquilo que determinam os direitos e princípios da Constituição. A reação virá. Resta saber como se conduzirão os demais membros da Corte quando o tema do aborto chegar ao plenário.


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