Folha de S. Paulo


Vice de conselho de direitos humanos é preso sob suspeita de elo com facção

Reprodução/G1
Defensor de direitos humanos é suspeito de receber R$ 130 mil por denúncias falsas
Luiz Carlos dos Santos, do Condepe, preso em operação da Polícia Civil e Ministério Público de SP

Uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo nesta terça-feira (22) prendeu 32 advogados e outras três pessoas suspeitas de ligação com a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), incluindo um dirigente do conselho estadual de direitos humanos.

O governo afirma que eles atuavam para favorecer 14 chefes da facção que estão em presídios paulistas. A principal prisão exaltada pela polícia foi a do vice-presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Luiz Carlos dos Santos, 43, único dos 35 detidos que teve seu nome divulgado.

O secretário da Segurança da gestão Geraldo Alckmin (PSDB), Mágino Alves Barbosa Filho, afirmou que ele fazia falsas denúncias contra a polícia e recebia dinheiro do PCC –inicialmente R$ 130 mil, além de uma "mesada" de R$ 5.000. "É óbvio que, se planta notícia que abala a imagem das instituições policiais, isso favorece a organização criminosa", justificou.

O secretário não deu detalhes de nenhum caso comprovado das falsas denúncias. Só chegou a mencionar uma suposta intenção do integrante do Condepe de envolver PMs na chacina de cinco jovens da zona leste da capital no mês passado, atribuída pela polícia a um grupo liderado por um guarda municipal de Santo André. Depois, Mágino ressalvou que esse seria só um caso "provável".

O secretário defendeu a consistência das suspeitas contra Santos com base em interceptações telefônicas e na quebra de sigilo bancário autorizadas pela Justiça.

A defesa do conselheiro diz que a prisão pode ser retaliação por suas ações de combate à violência policial. O Condepe afirma que nenhuma denúncia apresentada por ele se mostrou inconsistente.

Na operação, foram apreendidos computadores e documentos na sede do órgão onde Santos trabalhava. O conselho disse haver informações sigilosas de testemunhas de violação dos direitos humanos nesse material –inclusive com policiais sob suspeita– e cobrou a preservação e segredo dos dados.

Reprodução/GloboNews
Advogados são presos por suspeita de ajudar facção em SP. Entre os detidos está o vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos - http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/policia-prende-advogados-por-suposta-ligacao-com-faccao-em-sp.ghtml
Advogados são presos por suspeita de ajudar facção em São Paulo

O secretário de Alckmin disse que isso será garantido e afirmou ainda que nenhum outro conselheiro é suspeito de envolvimento com a facção. "O Condepe é um órgão sério. Não tenho dúvida disso. Tem lá inúmeros conselheiros vocacionados na defesa dos direitos humanos."

A polícia diz que a investigação que resultou na operação batizada de Ethos dura um ano e meio e começou após a apreensão de documentos com integrantes da facção.

A operação foi feita em pelo menos dez municípios no Estado, incluindo ainda Cotia, Santos e Presidente Prudente, com participação de 703 agentes públicos.

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HISTÓRICO

Santos já tinha dez passagens anteriores pela polícia, oito delas sob suspeita de estelionato –e as outras, por violência doméstica e extorsão. Por este crime, supostamente praticado contra um guarda municipal de Cotia (Grande SP), chegou a ser preso em flagrante em 2011.

A suspeita é de que exigia R$ 10 mil para evitar a publicação de uma reportagem contra um guarda investigado por crime sexual. Este e outros três processos ainda estão em trâmite na Justiça.

Num inquérito de 1994, por estelionato, Santos se declarou borracheiro. Em 2008, foi candidato derrotado a prefeito de Cotia pelo PSOL.

Ele foi eleito ao Condepe em 2014 a partir do CODH (Conselho Ouvidor de Direitos Humanos e Cidadania), uma ONG de Cotia ligada aos direitos humanos, sendo reeleito em 2016 e exercendo função voluntária, sem remuneração.

O Condepe é vinculado à Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado, mas tem autonomia.

Criado em 1991, está previsto na Constituição Estadual de 1989 e tem como prerrogativas acessar unidades prisionais, requisitar informações, documentos ou processos de órgãos públicos estaduais e propor sindicâncias e inquéritos para apuração de violações de direitos humanos.

AMEAÇA

O ex-presidente do conselho Rildo Marques de Oliveira disse que não teve detalhes do inquérito, mas defende uma punição exemplar caso as acusações contra Santos sejam comprovadas –até porque há um desgaste para todas as entidades ligadas aos direitos humanos. "Se tiver procedência, é muito grave para o próprio conselho."

Ele ressalta, porém, que Santos tem um histórico de combate à violência policial na Grande SP, incluindo contra grupos de extermínio.

O vice-presidente da ONG Conectas Direitos Humanos, Marcos Fuchs, disse considerar a prisão de Santos uma "ameaça" ao setor. "Não é saudável para quem defende direitos humanos, para todas as entidades e organizações."

"O Condepe é um órgão seríssimo, que tem esse papel na defesa de direitos humanos, de receber denúncias, de apurar, de fazer inspeções e visitas no sistema prisional", disse Fuchs. "Precisamos ter muita cautela."

RETALIAÇÃO

A defesa de Luiz Carlos dos Santos, vice-presidente do Condepe, afirma que ele nega as acusações da polícia e avalia que pode ter sido preso como retaliação devido ao trabalho dentro do órgão.

"Ele demonstrou muita preocupação, demonstrou que talvez seja uma retaliação ao nome dele em relação às ações que ele faz por aí com relação aos direitos humanos e às abordagens policiais", afirmou Carlos Alberto Miramontes, presidente da OAB de Cotia e Vargem Grande (Grande São Paulo) e que representa Santos.

"Todas as visitas que ele faz em presídios, como parte do Condepe, são monitoradas, com pessoal da SAP [Secretaria da Administração Penitenciária], com a diretoria do presídio, com todo mundo. Ele disse: 'Eu nunca vou sozinho falar com ninguém, mesmo porque nem sou advogado, sou representante dos direitos humanos'".

O Condepe afirmou em nota que a prisão de Santos causou surpresa, uma vez que ele "possui reconhecida trajetória de contundente defesa dos direitos humanos".

"Nos últimos anos, tem se dedicado a denunciar práticas de violência policial, a cobrar apuração de chacinas no Estado, bem como a apontar violação de direitos humanos no sistema prisional", disse.

A presidente do conselho, Maria Nazareth Cupertino, afirmou que o órgão não vai tomar nenhuma atitude antes de ter acesso ao inquérito policial. E, como outros atuantes da área, cobrou a preservação de dados apreendidos na sede do Condepe.

"[Nos documentos] há todos os relatórios, denúncias, informações sigilosas, de testemunhas. Se esses dados caem na mão da polícia, expõem todo mundo", afirmou Rildo Marques de Oliveira, ex-presidente do órgão.

A OAB informou que vai acompanhar as acusações em respeito aos direitos dos advogados e promoverá as apurações necessárias.

O defensor de Santos diz que a acusação de extorsão de 2011 do guarda foi armada por policiais. "Ele foi preso e solto no outro dia. Foi um flagrante armado, a gente provou essa armação e no dia seguinte foi relaxada a prisão dele", disse.

Segundo o defensor, a Justiça está colhendo depoimentos do caso. Ele acredita que Santos será inocentado.

Miramontes afirmou que não pode responder sobre as outras acusações, que não foram acompanhadas por ele.

*

O Condepe

O que é?
Criado em 1991, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de SP é um órgão independente, ligado à Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do governo Alckmin (PSDB)

Quais são suas funções?
Investigar as violações de direitos humanos no Estado, encaminhar denúncias e "propor soluções gerais a esses problemas"

O que o órgão pode fazer?
Acessar unidades prisionais, requisitar informações, documentos ou processos de órgãos públicos estaduais, propor sindicâncias e inquéritos etc.

Quem participa?
São 11 integrantes, indicados pela sociedade civil, governo estadual, Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), além de dois membros não efetivos do Ministério Público e Defensoria Pública; o mandato é de dois anos

ALGUNS EMBATES COM A PM

Mar.2012
O Condepe divulgou relatório com mais de 1.800 denúncias de violações de direitos humanos por policiais e guardas que teriam ocorrido na reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP)

Jun.2016
O conselho foi duro na crítica à perseguição policial no Morumbi que terminou com a morte do menino Italo, 10; o órgão disse, na ocasião, que não havia indícios de que tivesse ocorrido troca de tiros

Nov.2016
Alckmin negou pedido do Condepe, junto a outras entidades, para que peritos independentes acompanhassem os trabalhos do IML no caso da morte de 5 jovens, sob suspeita de envolvimento da PM


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