Folha de S. Paulo


Filme mostra 'rotina de guerra' de hospitais públicos brasileiros

Divulgação
Ator Júlio Andrade (centro) em cena do filme 'Sob Pressão' que mostra rotina de hospitais públicos brasileiros
Júlio Andrade (centro) em cena do filme 'Sob Pressão' que mostra rotina de hospitais públicos brasileiros

"Isso realmente aconteceu?" A perplexidade parecia ter tomado a plateia, composta principalmente por estudantes de medicina, após a sessão especial de pré-estreia do filme "Sob Pressão", promovida pela Folha na quarta-feira (10), no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca, na Consolação.

O longa foi inspirado no livro "Sob Pressão - A Rotina de Guerra de Um Médico Brasileiro", escrito por Márcio Maranhão e lançado pela editora Foz em 2014.

"Sim, aconteceu." Foi a resposta dada aos jovens estudantes, no debate que seguiu a exibição do longa. Além de Maranhão, estavam presentes o diretor Andrucha Waddington, o ator Ícaro Silva e a atriz Marjorie Estiano. A conversa foi mediada pela repórter especial da Folha Cláudia Collucci.

A perplexidade era diante da série de absurdos vividos na ficção pelo médico Evandro (Júlio Andrade) durante um dia em um hospital público carioca: cirurgias emergenciais feitas sem equipamentos básicos, pacientes em estados gravíssimos que precisam esperar horas por uma vaga na sala de cirurgia, a privação de sono enfrentada pelos médicos e até a invasão do hospital por traficantes do morro vizinho.

As cenas foram filmadas em uma área desativada de um hospital da Santa Casa de Misericórdia, em Cascadura, no Rio. O local já foi centro de referência no passado, e, sucateado, hoje opera com 10% da sua capacidade.

Dentro da unidade, um pouco do drama da violência urbana retratado pelo filme foi vivido pela própria equipe de produção. "Em um dia houve um tiroteio no morro ao lado do hospital. Foi coisa de todo mundo deitado no chão, esperando acabar", conta Waddington.

Outro momento de tensão ocorreu quando um criminoso baleado ficou sob custódia na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo). "Ele estava algemado, havia dois policiais na porta e outro mais atrás. E todos estavam tensos, pois há muitas invasões que entram para executar o paciente ou para resgatá-lo", afirma Waddington.

ESCOLHAS

No filme, Evandro precisa fazer uma escolha: a quem dar prioridade em três casos cirúrgicos de alto risco. Um traficante, um policial militar ou uma criança de uma família rica –todos feridos em um tiroteio.

"Não cabe ao médico fazer juízo de valor. Dizer esse aqui é mocinho, esse é bandido", diz Maranhão. "Mas já vi colegas fazendo esse tipo de coisa na hora da triagem." Ele diz que espera que a história não apenas comova, mas que também acenda a discussão sobre a situação do profissional de saúde no Brasil.

Uma das cenas que mais chocou os estudantes envolve a decisão de tomar riscos dentro da sala de cirurgia. Durante uma operação de tórax, Evandro decide usar o sangue drenado da hemorragia do paciente, que deveria ser descartado, para fazer uma transfusão, numa manobra totalmente heterodoxa.

"Fiz isso no Souza Aguiar algumas vezes, quando não havia bolsas no banco de sangue", conta o médico. "É uma temeridade a gente falar esse tipo de coisa publicamente, mas na rede pública somos obrigados a fazer 'gambiarra' por falta de alternativa", disse.

Ele relata que, na falta de equipamentos de hemotransfusão, os médicos improvisavam "filtros" para o sangue feitos com gazes.

Para Maranhão, o maior desafio como profissional na rede pública é fazer esse tipo de escolha. "Você está na sala de cirurgia e sabe que o paciente vai morrer. Quem é comprometido, acaba arriscando", afirmou. "Salvei vidas assim."


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