Folha de S. Paulo


Suspeita sobre PMs cresce em caso de jovens encontrados mortos em SP

O encontro de cinco corpos em uma mata de Mogi das Cruzes (Grande de SP) reforçou as suspeitas do envolvimento de policiais militares na chacina de jovens da zona leste da capital paulista.

Embora ainda falte a confirmação científica da identidade de 3 dos 5 mortos, policiais e familiares já dão como certo que os corpos achados em uma área rural são dos rapazes desaparecidos desde 21 de outubro, quando saíram de carro para ir a uma festa em Ribeirão Pires, no ABC.

A investigação sobre eventual participação de policiais militares no crime passou a ser admitida oficialmente pela cúpula da segurança do governo Geraldo Alckmin (PSDB). Dois PMs já foram ouvidos nesta segunda-feira (7).

Na área onde os corpos foram encontrados, perto de uma estrada de terra, foram localizadas cápsulas de pistola calibre.40, que é utilizada pela polícia nas ruas.

"Estamos verificando se eles [cartuchos de.40] pertencem a algum lote adquirido por organismo policial de São Paulo", afirmou Mágino Alves Barbosa Filho, secretário da Segurança Pública, que dizia não haver nenhum "indício concreto" contra policiais na semana passada.

Ele disse haver outras duas linhas de investigação além da possibilidade de policiais na ação, mas avaliou ser "prematuro" fazer comentários sobre elas. "As investigações continuam, não param com a localização, se confirmada, desses corpos", declarou.

Os corpos encontrados estavam enterrados em uma ribanceira, cobertos por terra e cal, e apresentavam avançado estado de decomposição.
Impressões digitais de dois rapazes e a prótese que um deles usava na perna contribuíram para a identificação.

O ouvidor da Polícia, Júlio César Fernandes Neves, disse que um dos jovens estava com os pulsos amarrados com algemas plásticas. Todos receberam vários tiros. Um dos corpos estava sem cabeça.

Com idades entre 16 e 30 anos, os rapazes, um deles cadeirante, sumiram no caminho da festa em que encontrariam meninas conhecidas em rede social. O perfil das garotas, no entanto, também desapareceu da internet, colocando em dúvida a existência delas e da festa.

Entre as últimas mensagens enviadas pelo grupo, segundo familiares, está uma que menciona suposta abordagem policial. "Ei, acabo de tomar um enquadro ali. Os polícia está me esculachando [sic]", disse Jonathan Moreira, 18, um dos jovens.banco de dados

VIOLÊNCIA POLICIAL - Mortos por policiais militares em SP*

Os dois PMs ouvidos nesta segunda pelo DHPP (departamento de homicídios) haviam consultado antecedentes criminais de parte do grupo em banco de dados da polícia.

Essa consulta teria ocorrido no início de outubro, mas não se sabe em quais circunstância. Os policiais, segundo a Folha apurou, negaram envolvimento no crime e participação em abordagem.

Além da munição semelhante à da polícia paulista e da mensagem enviada por um dos rapazes, os investigadores suspeitam do envolvimento de policiais no caso também por outros motivos.

Parte dos jovens tinha antecedentes criminais. Havia rumores no bairro do suposto envolvimento de um deles na morte de um PM –fato não comprovado até hoje.

O fato de os corpos estarem enterrados em uma mata, para dificultar a localização, é citado por investigadores como uma característica menos frequente em crimes cometidos por bandidos comuns.

O ouvidor Júlio César Fernandes Neves diz haver claros sinais de que eles foram mortos rendidos. "Foi uma execução, com certeza."

FAMÍLIAS COBRAM PROCURA

O choro desesperado nas escadarias do IML central, às 11h55 desta segunda (7), era o sinal de que para Adriana Moreira, 44, a busca pelo seu filho Jonathan Moreira, 18, terminava naquele momento e da pior forma possível.

O encontro do corpo do jovem colocava fim às buscas que duraram duas semanas, mas não à principal dúvida: quem são os assassinos?

"Tem que ser feita a Justiça. Não é porque apareceram os corpos que acabou o caso. Não. Precisa punir quem fez", afirmou a dona de casa Dayane Palema, irmã do motorista que levava os rapazes –o cozinheiro Jones Januário, 30.

Segundo ela, o irmão nem cobraria pela viagem dos jovens porque sempre fazia tudo de bom coração. O Santana 1987, segundo ela, era apenas "para ajudar". "O erro dele foi ser bom demais. Acabou ajudando e não voltou pra casa", declarou a irmã.

Joel Silva/Folhapress
Mãe de Jhonatan, Adriana se desespera ao chegar ao IML para reconhecimento de corpo do filho
Mãe de Jonathan, Adriana se desespera ao chegar ao IML para reconhecimento de corpo do filho

Dayane disse não ter dúvidas do envolvimento de policiais na morte dos jovens. Para ela, tudo foi uma emboscada de PMs para acertar contas com alguns do jovens mortos.
"Eles precisavam enterrar e jogar cal ainda por cima?", afirmou Dayane.

Adriana Moreira, que chorava a perda do filho nas escadarias, não quis falar com os jornalistas. Para os amigos dela, a mulher tinha muito esperança de encontrar o filho ainda com vida -embora soubesse que as chances eram bem pequenas.

Ela chegou a montar grupos de buscas dos jovens –que utilizavam até cavalos nas andanças pelas matas da região leste da Grande SP.

"A gente procura sem parar. Onde tem um boato, vamos atrás", disse Adriana à Folha, na semana passada.

REVOLTA

Os familiares do cadeirante Robson de Paula, 16, também deixaram revoltados o IML. A avó do rapaz, Alice Silva, disse que não tinha dúvidas de que era o menino. "Só esperamos justiça", disse.
Na porta do IML, as famílias reclamaram por não terem acesso aos corpos.

Cheila Olala, conselheira do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) que acompanhava as famílias, dizia que a preocupação dos policiais era poupar as famílias, devido ao avançado estado de decomposição de corpos.

Em frente ao IML, na manhã desta segunda, o clima de comoção das famílias se misturava ao forte cheiro dos corpos dos jovens que exalava das janelas do prédios.

INDÍCIOS DE SUPOSTA PARTICIPAÇÃO DA PM

O DESAPARECIMENTO

21.out
- Às 23h, os jovens saem da zona leste para ir a uma suposta festa em Ribeirão Pires. Foi a última vez em que foram vistos –após o desaparecimento, os perfis das meninas que os convidaram sumiram do Facebook

- Por volta da 0h30, César envia uma mensagem pedindo a um amigo que os buscasse, pois o carro havia quebrado. Não se sabe, porém, se o carro quebrou de verdade; esse amigo acredita era apenas uma forma de atrai-lo para a festa

- Um dos garotos manda um áudio a uma amiga dizendo que o grupo havia sido parado por PMs: "Ei, tio. Acabo de tomar um enquadro ali. Os polícia tá me esculachando [sic]", dizia a mensagem

23.out
- O carro é encontrado aberto no rodoanel; ele não estava quebrado e não havia sangue

- Durante as duas semanas seguintes, família e amigos fazem buscas por conta própria em cidades próximas, como São Paulo, Santo André, Mauá, Ribeirão Pires, Atibaia e Bragança Paulista

6.nov
- A polícia acha os corpos dos cinco jovens em um matagal na estrada Taquarussu, em Mogi das Cruzes

Fonte: Boletim de Ocorrência/Polícia Civil


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