Folha de S. Paulo


Camelô que salvou 3 pessoas da chuva em SP é alvo do 'rapa' um dia depois

Todos os dias, o camelô Juarez Antônio da Silva, 40, vende manga, mamão, morango e maracujá. Na quinta-feira (20), ele viu as nuvens escuras anunciando um temporal sobre a Lapa (zona oeste). Pensou em salvar as frutas –seu ganha-pão–, mas acabou salvando três pessoas.

Ele nunca pensou que viraria um herói. "Sei não. Herói? Só fiz o que podia", diz Juarez. Verdade. Nem tudo ele conseguiu: uma mulher escapou de suas mãos e foi levada pela enxurrada.

Eram mais ou menos 18h de quinta e o temporal se aproximava da Toca da Onça, um túnel de 76 metros de comprimento e pouco mais de 1,90 de altura. Ele passa por baixo da linha do trem e liga dois pontos da Lapa: a de baixo e a de cima.

Reprodução
O camelô Juarez da Silva, 40, que salvou três pessoas na Lapa
O camelô Juarez da Silva, 40, que salvou três pessoas na Lapa

Desde janeiro, quando foi demitido de uma transportadora, Juarez faz ponto na escada que desce até a toca. É irregular, ou seja, não tem licença da prefeitura para vender nada por ali.

A Toca da Onça é um ponto histórico de enchentes em São Paulo –daqueles conhecidos por "choveu, encheu".

O temporal chegou e os camelôs guardaram suas mercadorias. Para eles, chuva pode ser pior que o "rapa" –os fiscais da prefeitura que apreendem seus produtos.

Juarez não teve tempo e a enxurrada levou suas frutas –um prejuízo de R$ 500. Então ele ouviu gritos de socorro. Dois idosos e duas mulheres estavam no túnel. A água estava enchendo tudo e eles poderiam morrer afogados.

"A água vinha como umas ondas", conta Juarez. Com a ajuda de um colega, ele se pendurou na escada que dá acesso à Toca da Onça. Puxou os idosos para cima, com uma das mãos e uma corda. Depois, pegou uma das mulheres. "Eles estavam muito assustados, tremendo", diz.

Danilo Verpa/Folhapress
Túnel no bairro da Lapa, conhecido como €Toca da Onça, não tem sistema de drenagem
Túnel no bairro da Lapa, conhecido como €Toca da Onça, não tem sistema de drenagem

'VOU MORRER'

Veio uma nova enxurrada e a segunda mulher foi quase toda coberta pela água. "Ela tinha que levantar a cabeça para respirar. Ela gritava: 'me ajuda porque estou morrendo, estou morrendo'. Eu falava para ela segurar forte minha mão", conta Juarez.

Ele não conseguiu segurá-la quando uma nova onda forte chegou. "Meu braço ficou dormente, perdi a força", lembra o camelô. A mulher foi levada para dentro do túnel e desapareceu de seus olhos. "Deu uma tristeza pensar que não consegui. Na hora, pensei que ela tivesse morrido afogada dentro da toca", diz.

A Prefeitura de São Paulo também pensou –conforme divulgou em seu site. A mulher foi dada como morta por um dia, apesar de ninguém ter encontrado seu corpo. Nesta sexta-feira (21), a gestão Fernando Haddad (PT) corrigiu a informação.

A mulher foi parar do outro lado do túnel Toca da Onça. Debaixo da água, ela atravessou 76 metros e saiu viva do outro lado, na Lapa de Baixo.

"Ela não morreu porque a água a trouxe de volta. A gente viu quando ela apareceu do nada. Nós a retiramos da água, meio desacordada", afirma Tatiana Rodrigues, 31, subgerente de uma farmácia do outro lado da toca.

A mulher foi reanimada pelos funcionários da farmácia, que a cobriram com roupas quentes. Depois, foi levada para o hospital.

Danilo Verpa/Folhapress
Homem é detido em confusão em frente ao Mercado Municipal da Lapa
Homem é detido em confusão em frente ao Mercado Municipal da Lapa

LÁ VEM O RAPA

Era meio-dia desta sexta, e o camelô Juarez estava montando sua barraca de frutas. Alguns clientes o parabenizaram pelo heroismo. "Você merece tudo de Deus", disse uma cliente antiga.

Enquanto ele contava sua história para a Folha, cinco fiscais da prefeitura se aproximaram da barraca. Era o "rapa" e Juarez não viu.

Sem dizer nenhuma palavra, os servidores começaram a apreender as frutas do camelô. Colocaram uma por uma em um saco, e lacraram. "Estamos cumprindo ordens", justificou um deles.

A mercadoria de Juarez foi a única a ser recolhida: a Lapa é um bairro com centenas de ambulantes nas ruas –legais e irregulares.

Juarez não reclamou dos fiscais: "É sempre assim. Um dia você ganha. Em outro, eles aparecem e levam tudo que é seu", diz. Em um dia, ele é herói; no outro, vilão.


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