Folha de S. Paulo


Propostas de João Doria para saúde em SP são paliativas, dizem técnicos

Propostas para saúde do prefeito eleito João Doria

As principais propostas do prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), para a saúde, como o "corujão" e as carretas itinerantes para exames, são medidas paliativas e pouco resolutivas se o paciente não estiver dentro do sistema de saúde, recebendo um atendimento integral.

Para especialistas em saúde pública, não há nada mais urgente na rede municipal do que os serviços trabalharem de forma mais integrada. Hoje, o paciente fica perdido em um labirinto de unidades de saúde municipais e estaduais, administradas por várias organizações sociais (OSs) que, muitas vezes, não conversam entre si.

Um exemplo. Ao mesmo tempo em que há mais de 600 mil pessoas esperando até cinco meses, em média, por exames e consultas na rede municipal, existem AMEs (Ambulatórios Médicos de Especialidades), ligados ao governo estadual, com taxas de absenteísmo de 30%.

Segundo o secretário municipal da Saúde, Alexandre Padilha, a atual gestão promoveu maior integração na atenção básica, diminuiu em 44% a fila de espera por exames, mas falta um melhor entrosamento entre as unidades de média e alta complexidades (ambulatórios e hospitais).

Uma das promessas de Doria é a integração dos sistemas de saúde municipal e estadual –com cartão e prontuários eletrônicos ligados a um aplicativo-que, segundo ele, seria mais factível porque prefeitura e Estado estarão sob gestão do mesmo PSDB.

Mas só isso não garante que as administrações estejam afinadas na saúde. A cidade de São Paulo já teve prefeito e governador alinhados politicamente (José Serra e Gilberto Kassab, entre 2007 e 2010), porém, isso não resultou em uma maior integração e resolutividade na saúde.

"A estrutura é grande, existem muitos funcionários de carreira e um ranço que faz com que Estado e município não conversem", diz o médico João Ladislau Rosa, superintendente da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina).

CULTURAL

Padilha afirma que há uma questão cultural na falta de diálogo, que também se repetiria em outros municípios paulistas, mas que, na gestão de Fernando Haddad, o primeiro passo já foi dado, com a integração dos serviços de urgência e emergência.

O secretário de Estado da Saúde, David Uip, aposta que as decisões em saúde estarão mais alinhadas a partir de janeiro. "Além de sermos do mesmo partido, minha família e a do Doria são muito próximas. Isso é uma enorme vantagem", acredita.

Segundo Uip, é fundamental que o município aprimore a sua atenção básica de forma a torná-la mais resolutiva e gestora da saúde do paciente. "Cabe a prefeitura o primeiro acesso do paciente ao sistema. Quando bem organizado, ele resolve 80% dos problemas", diz o secretário.

Uip defende uma revisão na fila de espera por exames e especialistas e uma via de acesso única, tal como ocorre com a lista dos transplantes. "Hoje, as pessoas se inscrevem em vários serviços. Quando consegue vaga num lugar, o nome continua no outro. A culpa não é dela, é nossa [gestores]", afirma.

CORUJÃO E CARRETAS

O "corujão da saúde", que propõe o uso das instalações dos hospitais privados das 20h às 8h por um ano, para zerar as filas de exames, é uma das propostas do prefeito eleito mais criticadas.

"Pode segregar os mais pobres ao atendimento na madrugada, longe de onde moram. Sem investir no atendimento integral em cada região, a fila volta", diz Mario Scheffer, professor de medicina preventiva da USP. Para Rosa, da SPDM, além de paliativo, o programa "não soa bem". "É oferecer sobras ao usuário do SUS."

Gustavo Gusso, médico de família e professor da USP, diz que o corujão pode funcionar emergencialmente, como um mutirão, mas é ineficaz se não existir um desenho de rede bem definido. "O paciente deve entrar onde e deve seguir qual fluxo?", questiona.

Segundo Padilha, o município já realiza mensalmente 590 mil exames de apoio de diagnóstico. "O Doria diz que com o corujão fará 500 mil exames em um ano. É menos do que a gente já faz mensalmente. Dá para aumentar a produção aprimorando a própria rede municipal."

As carretas itinerantes, que ofertarão exames e tratamentos, também são tidas como um improviso caro e ineficaz. "Tem que haver garantia de vínculo dos pacientes com a rede de saúde", diz Scheffer. "São Paulo não precisa de carretas. É muito mais barato oferecer esses serviços em unidades fixas, incluir esses pacientes no sistema para serem cuidados de forma contínua", completa João Rosa.

Outra proposta de Doria é a contratação de 800 médicos para atuar prioritariamente nas periferias. Padilha lembra que já existem 1.090 médicos contratados para trabalhar na atenção básica. "Só estão esperando a nomeação, que não pode ser feita por causa da lei eleitoral."

Fila na saúde

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Quem é quem

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Estratégia Saúde da Família (ESF) Programa federal prevê equipes formadas por agentes comunitários, enfermeiros, médicos e dentistas que atuam em UBSs; na capital, são 1.318 equipes

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Rede Hora Certa Realizam procedimentos clínicos, diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos com permanência por até 12 horas; agendamento é feito pelas UBSs

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