Folha de S. Paulo


Tragédia de Mariana já custou R$ 655 milhões para mineradora Samarco

A Samarco, mineradora responsável pela barragem da tragédia de Mariana (MG) em 2015, já gastou em ações para minimizar os danos do rompimento ao menos 50 vezes o valor que havia cortado da área de segurança de seus reservatórios nos quatro anos que antecederam o desastre.

A mineradora informou à Justiça ter desembolsado até o mês de julho, só no Estado de Minas Gerais, R$ 655 milhões para mitigar os estragos ambientais e sociais do desastre. A empresa é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton.

A ruptura de Fundão, em novembro último, causou 19 mortes, devastou a vila de Bento Rodrigues e poluiu o rio Doce até o litoral do Espírito Santo, afetando a pesca e o abastecimento de água em diversas cidades, como Governador Valadares (MG).

De 2012 a 2015, devido à queda nos preços do minério de ferro desde 2011, a Samarco cortou cerca de R$ 13 milhões dos gastos com a gerência de geotecnia e hidrogeologia, responsável pela segurança de Fundão. A redução na área foi de 41%. A informação é confirmada por Polícia Federal, Ministério Público Federal e Estadual.

Informada sobre o teor da reportagem, a mineradora nega restrição de custos na segurança das barragens.

Apesar do cenário econômico desfavorável no período, a empresa conquistou bons resultados. Em 2014, a mineradora obteve receita bruta de R$ 7,6 bilhões, a melhor de sua história. Para 2016, a projeção era manter o faturamento dos anos anteriores.

A empresa ainda planejava investir R$ 5,4 bilhões em um projeto chamado "quarta pelotização", que aumentaria a sua capacidade de produção de minério de ferro.

Segundo relatório da Polícia Federal, a busca da Samarco pela redução de custos nas atividades de geotecnia era "incessante".

Para os peritos da polícia, porém, como a barragem continuava crescendo para receber cada vez mais rejeitos, os "custos esperados com a manutenção e operação da barragem deveriam acompanhar essa tendência, especialmente no caso de uma obra com histórico recorrente de alterações significativas".

'OTIMIZAR'

Segundo uma planilha apreendida pela PF, a empresa buscava "otimizar serviços" de consultoria, "com a substituição de consultoria externa por empregados da Samarco". "Tal proposta implica eliminação de uma auditoria externa mais qualificada e independente, realizada de forma rotineira, por outra interna diretamente subordinada ao sistema de decisão da Samarco, o que implica em perda de autonomia na avaliação", diz trecho do relatório da polícia.

Uma troca de e-mails entre diretores da Samarco em 2015 revela que a queda de gastos comprometeu o monitoramento das barragens. Nas conversas, o então coordenador de planejamento e monitoramento das barragens, Wanderson Silva, cobra a "disponibilização de uma verba". "Fizemos o compromisso com o fornecedor que nos prestou o serviço e precisamos cumpri-lo", escreve.

"Infelizmente, se o valor não estava comprometido no diagrama, ele foi cortado. Tivemos um corte de R$ 1,9 milhão e o que não estava comprometido (...) foi 'devolvido'. Nossos gastos, tanto em Ubu [unidade da Samarco no Espírito Santo] quanto em Germano [em Mariana], estão todos sem saldo", respondeu o engenheiro de segurança do trabalho, Fabrício Cola.

Um geólogo da empresa, Samuel Carneiro, afirma, na mesma conversa, que o gasto, de R$ 384 mil, estava "comprometido". "Este valor já havia sido reduzido pela metade, em função de cortes no orçamento, o que interferiu no planejamento de nossas atividades", afirma. Para a Polícia Federal, a Samarco deixou de priorizar a área de segurança em seu orçamento, assumindo, assim, o risco de um colapso da barragem.

Procurada, a mineradora nega "que tenha adotado qualquer política restritiva de custos em matéria de segurança de barragens". "As decisões da empresa não são fundamentadas no baixo custo", diz a mineradora, em nota à reportagem.

O Caminho da Lama


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