Folha de S. Paulo


Sesi-SP cancela programa e deixa usuários de cão-guia sem assistência

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Bernardo, SP, BRASIL, 04-10-2016: Metalurgico Flavio Henrique de Souza, 46, ao lado da sua cao guia Ivvy, 5 anos (cadela da raca Labrador) em frente a sua casa no bairro Palermo em Sao Bernardo.Flavio nao enxerga desde os 14 anos de idade. Adquiriu a cadela no projeto de treinamento de caes guias do SESI que, contudo, esta encerrando esse projeto onde os custos de treinamento e aperfeicoamento dos animais ficara por conta dos usuarios
Metalurgico Flavio Henrique de Souza, 46, passeia com Ivvy pelas ruas de São Bernardo do Campo

Nove pessoas com deficiência visual foram surpreendidas com o término do programa de treinamento de cães-guia do Sesi-SP. A entidade, mantida pela indústria paulista e presidida por Paulo Skaf (PMDB), resolveu encerrar o projeto e passar a tutela dos animais para os próprios usuários. Com isso, os cegos teriam de arcar com as despesas de exames periódicos e, se necessário, de futuros treinamentos desses cães.

O metalúrgico do ABC paulista Flávio Henrique de Souza, 46, é uma dessas pessoas. Há quase três anos, ele recebeu a labradora Ivvy, que lhe trouxe mais mobilidade, qualidade de vida e segurança. Casado e pai de dois filhos, Souza disse que um representante do Sesi foi até a sua casa para que ele assinasse a adoção de Ivvy.

"Eles me deram alguns documentos sobre adoção e uso de imagem dela e assinei. Só depois eu fui descobrir que não teria mais direito a avaliação", disse Souza, que ficou cego aos 14 anos.

O papel de Ivvy, que tem cinco anos e há três é cão-guia, é o de auxiliar Souza a desviar de obstáculos que não são possíveis detectar com a bengala, como buracos, bueiros, orelhões, árvores, locais como metrô, escadas, ponto de ônibus, além de auxiliar na travessia de ruas e avenidas.

"Ela dá uma grande autonomia, o que faço com ela jamais faria de bengala, além de trabalhar o conceito de sensibilização. A família passa a conviver com regras e, às vezes, até acho que eles gostam mais dela do que de mim", brinca Souza.

Para ajudar seu dono, Ivvy precisa passar anualmente por um especialista do Instituto Íris (Instituto de Responsabilidade e Inclusão Social) para avaliar sua saúde, seu bem-estar, sua relação com o dono e, se necessário, fazer alguma adequação em seu treinamento.

A presidente do Iris, Thays Martinez, 42, disse que o Sesi comunicou a suspensão do projeto há cerca de três meses e informou que iriam doar os animais aos usuários. "Se eles não querem dar continuidade ao treinamento tudo bem, mas não pode deixar os animais sem assistência porque isso é uma irresponsabilidade."

"Fui o único que assinei e estou desprotegido. Agora, teria que pagar já que não possuo mais o suporte do projeto. Eu me senti lesado pela falta de informação", lamenta o metalúrgico.

PARCERIA

Em parceria com o Instituto Íris, o programa do Sesi entregou noves cães-guia a trabalhadores com deficiência visual da indústria paulista. Os animais são cedidos gratuitamente depois de passarem por um adestramento e treinamento intensivo, que dura pouco mais de um ano. De acordo com a ONG, os donos dos demais animais também foram abordados pelo Sesi, mas se recusaram a assinar a documentação.

Com deficiência visual desde os quatro anos, Martinez ressalta que há pouco profissionais qualificados no país para realizar o treinamento e avaliar o animal. Segundo a ONG, o Sesi repassa cerca de R$ 3.000 por ano para a instituição atender a cada usuário que tenha recebido o cão-guia do projeto.

A formação mais confiável e tradicional de cães-guia é realizada, no mundo todo, por meio de organizações sem fins lucrativos, principalmente nos EUA e Europa. As instituições são as responsáveis capacitação, saúde e bem-estar dos animais, que são cedidos aos usuários por tempo indeterminado.

Para trazer um cão estrangeiro para trabalhar no Brasil, as custas de manutenção são de cerca de R$ 35 mil –incluindo a viagem e a hospedagem do futuro usuário no exterior. Quando for tempo de aposentar o animal, os usuários podem optar por ficar ele.

A iniciativa do Sesi era uma das únicas reconhecidas no Estado de São Paulo e uma das poucas do país. Durou cerca de cinco anos e recebeu cerca de R$ 2 milhões. Em Santa Catarina, uma escola de treinamento foi aberta neste ano. Um dos maiores desafios para o treinamento dos animais no pais, segundo os especialistas, é justamente a falta de continuidade dos projetos.

A presidente do Iris afirma ainda que há pouco mais de cem cães-guia no Brasil porque o investimento é alto Além disso, o cão-guia têm vida útil de, no máximo, oito anos.

No Brasil há 7,3 milhões de pessoas com deficiência visual, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dessas, 1,2 milhão têm limitações severas e 95% estão sem acesso a serviços de reabilitação.

O Sesi informou que têm interesse no sucesso do projeto e que haverá, no próximo dia 18, uma reunião para definir se será possível a continuidade do programa.


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