Folha de S. Paulo


Desembargador do Carandiru sugere que imprensa ganha dinheiro do crime

João Wainer
ENSAIO CARANDIRU - JOAO WAINER - FOTOS PARA ENSAIO ESPECIAL - vista noturna do pav 5
Vista noturna do pavilhão 5 do Carandiru

O desembargador Ivan Sartori, um dos responsáveis pela anulação do júri do massacre do Carandiru, sugeriu que a imprensa paulista recebe dinheiro do crime organizado.

O magistrado também afirmou que ONGs de direitos humanos são financiadas com verbas do crime

"Diante da cobertura tendenciosa da imprensa sobre o caso Carandiru, fico me perguntando se não há dinheiro do crime organizado financiando parte dela, assim como boa parte das autodenominadas organizações de direitos humanos", escreveu o desembargador em sua página em uma rede social na tarde desta terça-feira (4).

O título da publicação é "Quando a imprensa é suspeita".

No último dia 27, o Tribunal de Justiça anulou o julgamento que havia condenado 74 policiais militares por participação na ação que deixou 111 pessoas mortas no episódio. O episódio ficou conhecido como massacre do Carandiru.

Massacre do Carandiru
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Foi Sartori quem presidiu a sessão. Além de votar pela anulação do júri, o desembargador ainda pediu a absolvição dos réus, sem necessidade de novo júri. Ele afirmou que "não houve massacre no Carandiru, mas sim legítima defesa [por parte dos PMs]".

O voto foi vencido —os outros dois desembargadores, Edison Brandão e Camilo Léllis, votaram pela anulação, não pela absolvição. Mas ainda há chances de prevalecer —dois outros desembargadores opinarão sobre a questão.

Em sua publicação, Sartori também criticou o Ministério Público. Afirmou que o órgão não conseguiu individualizar as ações de cada um dos PMs durante o massacre.

Como foi o massacre do Carandiru

"Que pode algum assassino ter agido ali no meio dos policiais, não se nega. Eu sempre ressalvei isso. Mas, qual é ou são eles? Esse o problema. O Ministério Público não individualizou. Preferiu denunciar de "baciada", como disse um dos julgadores", escreveu o magistrado.

Sartori já ocupou o cargo de presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo entre 2012 e 2013.

Procurado pela Folha, o TJ paulista informou que não cabe ao órgão pronunciar-se sobre a "reflexão" do desembargador sobre "a imparcialidade da imprensa na cobertura do Caso Carandiru".

A Folha também vem solicitando, desde a semana passada, entrevista com o desembargador Sartori, mas elas são negadas pelo TJ.

"Quanto à entrevista solicitada ao desembargador, cumpre registrar que os magistrados são impedidos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional, art. 36, inciso III, de manifestar "por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério".

Reprodução/Facebook/Desembargador Ivan R.G. Sartori
Publicação do desembargador Ivan Sartori, um dos responsáveis por anular o julgamento do Carandiru
Publicação do desembargador Ivan Sartori, um dos responsáveis por anular o julgamento do Carandiru

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Julgamento do Massacre do Carandiru

Ação foi desmembrada de acordo com os andares do pavilhão 9

1º andar
Mortos: 15
Condenados: 23 policiais
Absolvidos: 3, a pedido da promotoria
Pena: 156 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias

2º andar
Mortos: 73
Condenados: 25 PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar)
Pena: 624 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias

3º andar
Mortos: 8
Condenados: 15 PMs do COE (Comando de Operações Especiais)
Pena: 48 anos de reclusão cada um

4º andar
Mortos: 15
Condenados: 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais)
Pena: 9 com pena de 96 anos cada um, e um com pena de 104 anos
Julgamento: 3 dias

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Cronologia

2.out.1992
111 presos são mortos na Casa de Detenção em São Paulo após invasão da PM

2001
Coronel Ubiratan, apontado como responsável pela ordem para invadir o Carandiru, é condenado a 632 anos de prisão, por 105 das 111 mortes

Fev.2006
Tribunal de Justiça de SP absolve o coronel, ao entender que a sentença do júri havia sido contraditória

10.set.2006
Ubiratan é encontrado morto; única acusada do crime, sua ex-namorada foi absolvida em 2012

21.abr.2013
Conclusão do julgamento do 1º andar

3.ago.2013
Conclusão do julgamento do 2º andar

19.mar.2014
Conclusão do julgamento do 4º andar

31.mar.2014
Conclusão do julgamento do 3º andar

10.dez.2014
Ex-PM da Rota que foi julgado separadamente é condenado a 624 anos de prisão; ele já estava preso pela morte de travestis. Seu caso foi separado porque, na época, a defesa pediu que ele fosse submetido a laudo de insanidade mental

27.set.2016
Após recurso da defesa, Tribunal de Justiça de SP anula todos os julgamentos


*Parte das mortes não resultou em condenações porque não havia provas de que haviam sido causadas por policiais
Fontes: Reportagem, Ministério Público e Fundação Getulio Vargas


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