Folha de S. Paulo


Interrupção de serviço de teleférico em favelas no Rio preocupa moradores

O segurança Osir Jotha, 65, mora no alto do morro das Palmeiras, no Complexo do Alemão, conjunto de 15 favelas na zona norte do Rio. Trabalha até a madrugada em um condomínio longe dali. Chega cansado de manhã ao pé do morro.

Desde 2011, quando foi inaugurado o sistema de teleférico que liga a estação de trem de Bonsucesso ao topo de cinco morros do complexo, podia contar com o conforto de chegar até sua casa sentado, em 16 minutos.

Mas desde o último dia 15 de setembro, voltou a fazer a subida de pelo menos meia hora a pé. "E logo agora, que estou velho", brinca. O transporte, que consumiu R$ 253 milhões do governo federal no âmbito do PAC das favelas, foi suspenso por seis meses. A justificativa dada pela Secretaria de Transporte é a necessidade de troca de um cabo de tração, que é fabricado sob medida no exterior.

Antes mesmo da inauguração, sua construção era criticada por parte dos moradores, que achavam que os recursos deveriam ter sido usados para obras que eles consideram mais urgentes, como saneamento básico. Agora, temem que a estrutura vire um elefante branco pairando sobre suas cabeças.

Havia sinais de falta de planejamento desde antes de sua inauguração. À época, as autoridades disseram que o teleférico transportaria 30 mil pessoas por dia. Três anos depois, o número virou 12 mil. Acabou com capacidade para 9.000 pessoas, só 30% do previsto.

"Só quem mora no alto do morro usa. Quem vive da metade para baixo não quer subir para descer de novo", diz Sidney Freitas, 60, do Instituto Raízes em Movimento, que atua no complexo. "Ainda assim, é um absurdo gastarem esse dinheiro para nem essas pessoas poderem usá-lo."

O teleférico foi inaugurado após forças de segurança tomarem o controle do complexo das mãos de traficantes, em 2010, e virou um ícone do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Além de melhorar a qualidade de vida dos moradores, o Estado queria atrair turistas para o Alemão, o que de fato aconteceu.

Mas agora, o projeto de pacificação parece ruir, deteriorado ainda mais pela crise financeira que atingiu o Estado e a Secretaria de Segurança. Tiroteios já obrigaram operadores a interromper o serviço do teleférico ao menos quatro vezes neste ano.

Os traficantes do Comando Vermelho, que haviam sido expulsos durante a ocupação em 2010 –em uma cena célebre, na qual foram filmados fugindo pela mata–, retomaram o comércio de drogas.

"[Autoridades] acharam que isto aqui viraria um paraíso. Mas agora está pior do que era antes da UPP. De repente começa o tiroteio. Quem quer visitar uma área que coloca a vida em risco?", questiona Freitas.

ADMINISTRAÇÃO

Soma-se a isso a forma como o teleférico é administrado. De 2011 a março deste ano, foi gerido pela Supervia sem licitação. Ela apresentava os custos ao Estado, que a reembolsava e remunerava com mais 10%.

Desde então, passou para as mãos do consórcio Rio Teleféricos, formado pelas empresas Providência Teleféricos e pela Hanover Administração de Bens, presidida por Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU (Tribunal de Contas da União) e investigado na Operação Lava Jato.

A alteração de um item no edital permitiu que a empresa participasse da licitação do governo estadual. O primeiro documento com as regras da disputa exigia que as concorrentes comprovassem experiência de um ano na operação de sistemas semelhantes. A versão alterada passou a exigir só experiência anterior com teleféricos.

O processo licitatório começou quando a empresa de Cedraz sequer existia. Após a mudança, porém, a companhia já tinha três meses de experiência na gestão do teleférico do morro da Providência.

À época, a Secretaria de Transportes do Rio afirmou, por meio de nota, que a alteração no edital de licitação para a operação do teleférico do Complexo do Alemão foi feita por determinação do TCE (Tribunal de Contas do Estado).

Já o TCE disse que o item que exigia experiência de um ano na operação de sistemas semelhantes limitava o número de concorrentes.


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