Folha de S. Paulo


Morador não pode dar as costas a rio poluído, diz urbanista de Nova York

A pior morte de um rio é quando ele "parece invisível e os moradores da cidade não esperam nada de bom vindo dele", afirma a urbanista americana Linda Cox. Desde 2002, ela é a diretora executiva da Aliança pelo Rio Bronx, que luta pela despoluição do rio no distrito mais pobre de Nova York.

Cox esteve em São Paulo para participar no mês passado do evento "A cidade e a água", do ciclo de debates Arq Futuro, realizado no Insper, que lançou a campanha "Vamos limpar o rio?".

Ela explicou a evolução da limpeza do rio Bronx, dizendo que a visibilidade é fundamental para atrair verbas públicas e privadas. "Sempre que podemos levar gente ao rio, emocionamos e conquistamos aliados", afirmou Cox, em entrevista à Folha:

Avener Prado/Folhapress
SAO PAULO, SAO PAULO, BRASIL, 15-09-2016: Linda Cox, urbanista durante visita a Usina de Traição. A urbanista veio a São Paulo participar de seminário sobre a Cidade e a Água. Ela foi diretora do Bronx River Park de Nova York, projeto de recuperação de um rio e do seu entorno iniciado por moradores do bairro. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
A urbanista americana Linda Cox durante visita ao rio Pinheiros

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Rio invisível

As pessoas estão acostumadas a dar as costas a um rio poluído ou achar que nada de bom sairá dali. Apesar do Pinheiros e do Tietê serem rios centrais e o Bronx ser um rio periférico, ambos parecem não "estar ali", como acontecia com o Bronx. Fazer que ele não existe. As mães dizem para os filhos não andarem por ali.

No primeiro ano do nosso grupo de trabalho, em 1999, retiramos 89 automóveis e 12 mil pneus que tinham sido jogados no rio. Era mais barato jogar as coisas lá.

Bicicleta na marginal

No século passado, uma via expressa foi construída ao longo do rio Bronx, o que isolou o rio da vizinhança, a nossa "marginal". Agora, acabamos de ter uma vitória. Algumas interseções terão pontes para pedestres para cruzar o rio, com semáforos, desacelerando o trânsito por ali.

Em vários domingos dos meses de primavera e verão, quase nove quilômetros da marginal são fechados para os carros, em um evento chamado "domingos de bicicleta", das 10h às 14h.

Ocupar o rio

Por alguns anos, artistas inventaram a "Taça de ouro", uma embarcação que desfilava pelo rio, durante o verão, e atraía muita gente para ver.

Hoje temos a "incrível regata do rio Bronx", que reúne até 90 embarcações em oito quilômetros de travessia, com a ajuda de monitores. Além do prazer de conhecer gente muito diferente, de senhoras a atletas, você faz mais pessoas conhecerem e pensarem nas possibilidades do rio.

Unir diferentes

Há várias organizações ativistas no Bronx, com as mais diferentes causas. É sempre bom tentar achar parceiros e se unir a outros grupos, não ficar só entre ambientalistas.

Por exemplo, há uma organização muito ativa, católica, que combatia narcotraficantes e lutas de gangues no Bronx. Eles viram que ter um rio melhor e mais espaços públicos ao ar livre estava próximo da causa deles.

Há outra organização, "Rocking the boat", que ensina jovens a construir suas próprias canoas. Eles navegavam em outro rio, mas os trouxemos para o Bronx.

Cheiro estranho

Hoje já conseguimos fazer passeios de barco no rio Bronx. Sempre que podemos levar gente ao rio, emocionamos e conquistamos aliados. Se sentirem um cheiro estranho, de alguma ligação clandestina de esgoto, não tem problema, verão que não é só diversão e que precisamos mudar isso. Nosso próximo desafio é torná-lo um rio apto para pesca e para natação.

Arrecadar fundos

Atrair patrocinadores é mais difícil. As grandes empresas não estão no Bronx e as pessoas costumam doar a quem conhece ou a quem trabalha no seu quintal.

Não tem gente rica no Bronx, mas sempre há quem conheça alguém. Fomos atrás dos atacadistas de alimentação que estão no Bronx, eles têm interesse de que a área pareça mais saudável e limpa.

Procuramos doadores individuais, de classe média, e convidamos ricos de Manhattan a participar do conselho. Precisa ser cuidadoso em criar um conselho misto, de gente que pode doar, e de líderes da própria comunidade.

Visibilidade política

Nos anos 90, o deputado federal José Serrano (que representava o distrito do sul do Bronx), que conheceu o rio ainda criança, conseguiu aprovar emendas com verbas para despoluir. Se um deputado ajuda, o governo estadual ajuda e a prefeitura segue. É a pressão dos pares.

Os políticos vão atrás dos votos. Ao aumentar a visibilidade da nossa causa, estamos facilitando. Prefeitos bem diferentes, como Giuliani, Bloomberg e De Blasio, nos apoiaram. Não dão dinheiro para a ONG, mas financiam obras que pedimos.

Potencial econômico

Criamos cursos de conservação, plantio e limpeza do rio para empregar jovens locais. Além disso, temos mil voluntários que participam da limpeza do rio por ano, alguns uma vez por mês, outros toda semana. Há cursos preparatórios para todos eles.

Nessa área, há muitas oficinas mecânicas, mas percebemos que há potencial para mais lojas de bicicletas, lugares para almoçar, lanchar.

Agora, estamos aceitando patrocínio para batizar as embarcações. Já dei o nome de um barco para uma amiga. Quanto mais barcos tivermos, mais visibilidade e envolvimento. Nos inspiramos no modelo da Central Park Conservancy (organização de vizinhos que reverteu o abandono do famoso parque nos anos 80, durante uma onda de violência ali).


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