Folha de S. Paulo


Entenda a polêmica sobre a decisão que anulou o julgamento do Carandiru

Na terça-feira (27), o Tribunal de Justiça de SP anulou os julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 presidiários foram assassinados em uma ação da PM para conter um motim na antiga Casa de Detenção de São Paulo.

O principal argumento a favor da anulação é o da individualização dos crimes –pela qual cada policial deveria ser responsabilizado pelo que fez no dia do massacre, não coletivamente.

Abaixo, entenda o que aconteceu no TJ, quais são os argumentos das partes envolvidas na discussão e o que pode acontecer agora.

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1. O que aconteceu na audiência de terça (27)?
O Tribunal de Justiça de SP anulou os cinco julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 presidiários foram assassinados em uma ação da PM para conter um motim na antiga Casa de Detenção de São Paulo.

2. Como votaram os desembargadores do TJ?
Camilo Léllis (revisor) e Edison Brandão votaram pela anulação de todos os julgamentos, por considerarem que não há provas que demonstrem quais foram os crimes cometidos pelos agentes. A tese é que, sem poder individualizar a conduta de cada um, não faz sentido condená-los.

Já Ivan Sartori (relator) votou pela anulação e ainda pela absolvição dos réus, por entender que, se três policiais foram absolvidos, não seria justo condenar qualquer um deles, porque todos atuaram em circunstâncias idênticas. Também disse que os PMs agiram em legítima defesa.

O trio sustentou como necessária a ação dos PMs porque teriam agido no cumprimento do dever.

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3. Por que os três policiais foram absolvidos?
Na época, a Promotoria pediu a absolvição de dois deles durante o julgamento, porque havia evidências de que eles não haviam participado dos ataques. No caso do terceiro PM, houve erro na denúncia.

4. O que os advogados dos PMs pedem?
Além da nulidade dos julgamentos por falta de provas, também querem que os 74 réus sejam absolvidos. Diferentemente do argumento usado pelo juiz Ivan Sartori, eles usam como base a absolvição do comandante da corporação na época, o coronel Ubiratan Guimarães. Ele havia sido condenado em 2001 por 105 mortes, mas foi absolvido cinco anos depois pelo TJ.

O tribunal entendeu que, mesmo com a condenação, o júri popular quis inocentá-lo, pois aceitou a tese da defesa de que o coronel estava cumprindo o seu dever como policial. Tecnicamente, porém, ele não pode ser considerado absolvido, porque seu processo foi encerrado ainda em trâmite –ele morreu em 2006, sem nunca ter sido preso, antes que a Promotoria esgotasse os recursos em todas as instâncias da Justiça.

5. O que a acusação diz?
A Promotoria afirma –tese aceita pelos jurados– que todos os policiais que participaram da invasão e atiraram têm responsabilidade pelo resultado final, porque assumiram o risco ao entrarem no Carandiru com metralhadoras e outros tipos de arma. Ou seja, mesmo quem não tiver baleado contribuiu com as mortes.

6. Os policiais que haviam sido condenados estão presos?
Não. Como a defesa dos policiais recorreu da condenação e eles aguardavam a decisão em 2ª instância, ninguém foi preso. O ex-PM da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Cirineu Carlos Letang Silva, que foi julgado separadamente dos demais, já cumpria pena por outros homicídios quando foi condenado.

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7. O que vai acontecer agora?
Uma nova sessão será convocada, agora com a participação de mais dois desembargadores, para votarem pela anulação e envio do caso para um novo julgamento ou pela absolvição direta. Não há nenhuma data prevista. A Promotoria anunciou também que vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), o que pode protelar a decisão final por anos.

8. O Tribunal de Justiça poderia ter anulado os julgamentos?
Segundo especialistas, sim, se a decisão da primeira instância tiver sido contrária às provas dos autos ou em caso de uma falha processual, por exemplo. Alguns, no entanto, criticam a perícia realizada na época e o fato de o tribunal ter abrandado o tratamento aos policiais, já que não são raras condenações em processos falhos.

9. E a corte pode absolver os condenados?
A maioria dos especialistas defende que não, porque já houve uma condenação pelo júri popular e ela é soberana. Para Miguel Pachá, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio, nesse caso o TJ só pode inocentar se o crime prescrever.

10. O argumento de que não é possível condenar os PMs porque não se sabe qual crime cada um cometeu é válido?
O assunto foi debatido no júri. Segundo o desembargador Edison Brandão, a perícia foi inconclusiva e "não se pode condenar por baciada". Ele citou como exemplo um réu que pode ter atirado uma vez, mas foi condenado por 70 mortes.

Já a acusação diz que todos que participaram são responsáveis pelo resultado final. A procuradora Sandra Jardim exemplificou: "Se três pessoas saem para praticar um roubo e um atira e mata a vítima, esse Tribunal de Justiça sempre entendeu, pela teoria do domínio do fato, que os dois que não atiraram também respondiam pelo latrocínio. Quem sai para tomar parte de um roubo a mão armada antevê a possibilidade de criar uma morte".

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Julgamento do Massacre do Carandiru

Ação foi desmembrada de acordo com os andares do pavilhão 9

1º andar
Mortos: 15
Condenados: 23 policiais
Absolvidos: 3, a pedido da promotoria
Pena: 156 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias

2º andar
Mortos: 73
Condenados: 25 PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar)
Pena: 624 anos de reclusão cada um
Julgamento: 6 dias

3º andar
Mortos: 8
Condenados: 15 PMs do COE (Comando de Operações Especiais)
Pena: 48 anos de reclusão cada um

4º andar
Mortos: 15
Condenados: 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais)
Pena: 9 com pena de 96 anos cada um, e um com pena de 104 anos
Julgamento: 3 dias

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Cronologia

2.out.1992
111 presos são mortos na Casa de Detenção em São Paulo após invasão da PM

2001
Coronel Ubiratan, apontado como responsável pela ordem para invadir o Carandiru, é condenado a 632 anos de prisão, por 105 das 111 mortes

Fev.2006
Tribunal de Justiça de SP absolve o coronel, ao entender que a sentença do júri havia sido contraditória

10.set.2006
Ubiratan é encontrado morto; única acusada do crime, sua ex-namorada foi absolvida em 2012

21.abr.2013
Conclusão do julgamento do 1º andar

3.ago.2013
Conclusão do julgamento do 2º andar

19.mar.2014
Conclusão do julgamento do 4º andar

31.mar.2014
Conclusão do julgamento do 3º andar

10.dez.2014
Ex-PM da Rota que foi julgado separadamente é condenado a 624 anos de prisão; ele já estava preso pela morte de travestis. Seu caso foi separado porque, na época, a defesa pediu que ele fosse submetido a laudo de insanidade mental

27.set.2016
Após recurso da defesa, Tribunal de Justiça de SP anula todos os julgamentos


*Parte das mortes não resultou em condenações porque não havia provas de que haviam sido causadas por policiais
Fontes: Reportagem, Ministério Público e Fundação Getulio Vargas


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