Folha de S. Paulo


Empresas de valores em SP terão 'cerca eletrônica' contra mega-assalto

Alfredo Risk
Bandidos explodem empresa de valores em Ribeirão Preto
Bandidos explodem empresa de valores em Ribeirão Preto

Acuadas diante de uma série de mega-assaltos desde o ano passado, empresas de transporte de valores de São Paulo decidiram investir R$ 50 milhões para implantar um sistema próprio de defesa.

A base desse sistema, em parceria com o governo paulista, será uma espécie de "cerca eletrônica" em torno de cada empresa, com radares e câmeras inteligentes capazes de fazer a leitura de placas e identificar atitudes suspeitas.

Ele prevê ainda a possibilidade de mudanças em ruas e avenidas que dão acesso às bases das transportadoras e, também, a integração dos sistemas de inteligência das empresas e das polícias.

O primeiro da série de mega-assaltos a transportadoras de valores em São Paulo ocorreu em novembro de 2015, em Campinas. De lá para cá, houve outros quatro casos: em Campinas (pela segunda vez), Santos, Ribeirão Preto e Santo André, que resultaram na morte de cinco pessoas -três delas policiais.

O dinheiro levado nesses ataques e em outros semelhantes na Bahia e no Pará nesse mesmo período chegou a R$ 160 milhões -sem incluir os prejuízos, por exemplo, com a reforma dos prédios, que em alguns casos ficaram totalmente destruídos devido aos explosivos.

Os mega-assaltos também deixaram apreensivos moradores do entorno de empresas de valores, que têm se mobilizado para tentar afastá-las de áreas urbanas.

CAPITAL

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores, Marcos Torres Paiva, diz que os mega-assaltos são a maior preocupação do setor até porque o dinheiro roubado "retroalimenta o crime".

"O prejuízo é enorme. Primeiro, as bases ficam completamente destruídas e para levantar uma base dessas é caríssimo. Segundo, o custo do seguro aumenta muitíssimo e, terceiro, o aspecto populacional. Um sinistro dessa natureza deixa a população assustada", afirma.

A primeira "cerca eletrônica" deve ser implantada inicialmente em uma base da capital paulista -para realização de testes e ajustes- para ser estendida depois a todas as 23 unidades do Estado. Elas serão integradas ao sistema Detecta (que integra dados da polícia com câmeras e emite alertas em uma central de monitoramento).

Quando o convênio entre as empresas e a polícia estiver em funcionamento, se um veículo roubado passar na porta de uma dessas bases, por exemplo, um alerta será dado imediatamente para a PM informando a ocorrência.

"Mesmo se for um carro com placa normal, mas que passa quatro, cinco vezes, e a pessoa não mora ali por perto, o sistema vai acender a luz", afirmou Paiva. Isso também vale para as chamadas câmeras analíticas -programadas para reconhecer atitudes suspeitas, que ainda vão ser definidas.

"Isso significa dar mais segurança para as pessoas que moram nas proximidades dessas bases. Não é só evitar os assaltos, mas evitar essas ações criminosas que terminam causando desassossego para quem está morando nas proximidades", afirmou o secretário da Segurança, Mágino Alves Barbosa Filho.

A expectativa do presidente da associação é que o sistema piloto possa começar a operar em até 30 dias. Esse prazo vai depender, segundo ele, da participação de moradores do entorno das bases para a instalação de câmeras a partir das residências -que independe de autorização da prefeitura. No caso de equipamentos instalados nas próprias empresas, é preciso de um aval que pode demorar até 90 dias, segundo Paiva.

Diante da suspeita de envolvimento de funcionários em mega-assaltos, as empresas de valores devem compartilhar com a polícia dados de empregados -como indícios de evolução patrimonial incompatível com os salários.

Mega-assaltos em SP

BUNKER

As empresas de transporte de valores enfrentam uma restrição legal para blindar seus edifícios contra os mega-assaltos. Não podem, por exemplo, construir bases resistentes a disparos de fuzis calibre.50 -um dos armamentos utilizados pelos criminosos.

"A legislação brasileira não admite a construção de bunkers ou de veículos com proteção superior à blindagem de nível 4", afirma Bruna Rodrigues Menk, delegada da Polícia Federal em São Paulo, responsável pela fiscalização desse setor.

Esse nível de blindagem citado pela delegada, segundo especialistas do setor, seria capaz de resistir a disparos feitos por fuzis calibre 762 (mm) ou.30 (polegadas), todos armamentos de guerra.

Mas mesmo a implantação desse tipo de blindagem carece de autorização do Exército. Especialistas em construção de prédios com produtos controlados dizem que raramente é permitido acima do nível 3 -que não resiste a disparos de 762 ou.30. A lógica por trás da restrição legal é impedir um sistema de proteção privada superior à própria capacidade das forças de segurança pública.

Apesar desses limites de blindagem, a Folha ouviu relatos sobre a construção de prédios de empresas de valores com concreto e ferro embutido para tentar resistir a esse tipo de calibre.

Há chances de essas edificações passarem em uma fiscalização porque, de acordo com a própria PF, quando há superposição de barreiras físicas, é possível que as construções das bases superem as autorizações de blindagem desde que não se utilizem de produtos controlados.

Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que empresas cadastradas pelo Exército para a construção desse tipo de estrutura às vezes se recusam a fazê-lo por considerar uma afronta à lei.

FISCALIZAÇÃO

A Polícia Federal informou que "as bases de todas as transportadoras de valores autorizadas a funcionar no Estado de São Paulo tiveram suas instalações aprovadas". Disse, ainda que foram fiscalizadas no último ano, sem registro de qualquer reprovação. E que em agosto as maiores bases também foram fiscalizadas e não apresentaram "qualquer problema".

"As bases estavam de acordo com o exigido pela lei, e suportaram a ação criminosa, antes do acesso ao cofre-forte, por tempo considerável", diz trecho da resposta da PF à reportagem.

Como deve funcionar o novo sistema para evitar mega-assaltos a empresas de valores no Estado de SP

23 bases de depósito de dinheiro no Estado deverão ganhar o novo sistema de proteção

R$ 50 milhões é o valor que essas empresas vão investir inicialmente nas medidas

R$ 160 milhões foram roubados, aproximadamente, nesses assaltos no total


Endereço da página:

Links no texto: