Folha de S. Paulo


Gaspar Sadoc (1916-2016)

Mortes: Negro, padre baiano venceu preconceito dentro da igreja

Gaspar tinha seis anos quando entrou em uma igreja pela primeira vez. Negro, pobre, com pés descalços, jogava futebol com os amigos quando a curiosidade bateu. Quis ver como era o interior da igreja Nossa Sra. da Purificação, na cidade baiana de Santo Amaro. O silêncio da majestosa construção, de 1706, e a figura imponente da santa o impressionaram.

Foi ali, dizia, que soube que sua vocação seria o sacerdócio. Apoiado pelo pai, entrou para o seminário aos 12 anos. E por 12 anos ali ficou, estudando. Foi ordenado aos 24, e se tornou o primeiro vigário da igreja de São Cosme e Damião, no bairro da Liberdade, em Salvador.

Eram raros os padres com sua cor de pele. "Eu, como sacerdote, gosto muito da história. Não posso negar que houve preconceito da igreja. Hoje ela se libertou. Pretos, brancos, amarelos, essa é a igreja que eu amo, a qual pertenço", disse a um jornal local.

Gaspar ajudou a construir a paróquia Cristo Rei, onde permaneceu por 17 anos. Mas foi na Nossa Sra. da Vitória que passou a maior parte da vida. Ficou lá até os 94, quando uma operação na coluna o impediu de se locomover.

Em Salvador, a figura imponente e a voz grave e calma lhe deram a fama de "maior orador do Brasil".

Já centenário, amigos e fiéis iam visitá-lo para ouvir suas preces. No penúltimo dia de vida, já tinha muita dificuldade para falar. Encerrou o encontro dizendo: "A oração mais profunda fica no silêncio do coração".

Teve uma parada respiratória um dia depois, na quinta (22). Fiéis lotaram a igreja da Vitória para a despedida.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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