Folha de S. Paulo


Célia Fontes Mafra (1966-2016)

Mortes: Lutou para dar mais direitos aos cegos

Gustavo tinha nove meses quando a mãe percebeu que os olhinhos não se fixavam em nada. Célia descobriu um filho cego. E orientou sua vida para ele. Deixou São Paulo e voltou à pacata Fernandópolis, onde o pai encontrara uma escola com professora especializada em braile. Ali, viveriam felizes. O que a consternou foram os que não tinham a sorte do filho: sem recursos, atenção, respeito.

A batalha começou em casa. Arrecadava cestas básicas e entregava às famílias pobres, convidando-os: por que não se juntavam para lutar pelos direitos dos filhos? Criou a Associação dos Deficientes Visuais da cidade.

Aos poucos, tinha aulas de braile, orientação para andar pelas ruas e até como fazer barba. A inclusão era a chave da vida normal, dizia. E logo se via pedindo ajuda nas rádios, aos políticos. Após a lei que demandava cardápios em braile, ia em cada restaurante conferir. Se via uma mesa na calçada, mandava tirar. "É contra a lei", discutia. Chamava a polícia. Não tinha medo de cara feia.

Quando a lei de uso das calçadas foi aprovada, foi reclamar: com uma venda, pediu aos vereadores que se pusessem no lugar do cego. Ela mesma fora vendada e caminhara na movimentada rua da Consolação. Sentou no chão e chorou. Não era fácil ser cego.

Célia casou cedo, teve três filhos: uma vida comum. Até que os olhinhos de Gustavo a lançaram no ativismo. A vida ganhou uma causa, pela qual lutou até o dia 18, quando infartou, aos 50. Dias antes, tocada com a morte do ator global, escrevera: "A vida é um sopro." A dela soprara a favor de quem não via.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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