Folha de S. Paulo


Haddad decreta sigilo de dados do Uber e outras empresas de transporte

A gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), candidato à reeleição, decidiu colocar em sigilo informações sobre a quantidade de motoristas ou o tamanho da frota do Uber e de outras empresas que atuam na cidade. Esse serviço de transporte individual foi regulamentado pela prefeitura em maio passado.

Uma resolução publicada nesta sexta (16) no "Diário Oficial" do município restringe o acesso a dados que essas empresas compartilham com a prefeitura, como número de viagens, distância percorrida e capacidade do sistema.

Com a restrição, por exemplo, não será possível traçar perfis socioeconômicos de usuários e, principalmente, saber se há favorecimento da prefeitura a alguma empresa, já que é o poder público que controla a quantidade de veículos nas ruas da cidade.

aplicativos de transporte

A prefeitura diz que a restrição visa garantir a proteção de segredos comerciais e que os dados do sistema serão divulgados como um todo, e não de empresas específicas.

"Se a Prefeitura de São Paulo caminhou na direção de regulamentar o serviço do Uber e torná-lo público, deveria se aplicar a transparência total dessas informações", diz Márcio D'Agosto, presidente da Anpet (Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transporte) e professor da UFRJ (federal do Rio).

"A gente tem uma dificuldade grande de obter informações de serviço público de transporte. Dificulta muito a nossa capacidade de analisar, criticar. Quem perde são as universidades, as entidades organizadas e a população como um todo", afirma.

O diretor-executivo da ONG Open Knowledge Brasil, Ariel Kogan, diz que "faz sentido proteger informações comerciais de empresas", mas "há informações estratégicas tanto para o monitoramento do cidadão quanto para a elaboração de políticas públicas".

"Como a gente vai saber se não há discriminação ou favorecimento a determinada região, se não há acesso aos dados?", questiona Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil.

A resolução da prefeitura não estabelece grau de sigilo (confidencial, secreto ou ultrassecreto, que definem por quanto tempo as informações são restritas), mas cria a figura de Gestor da Informação, que definirá quem pode acessar determinados dados.

Se essas informações forem requisitadas por ordem judicial ou autoridades públicas, esse gestor enviará os pedidos às empresas antes de atender às solicitações, para que possam "ingressar com alguma medida judicial ou administrativa protetiva do seu direito", diz o decreto.

Empresas de ônibus divulgam informações sobre tamanho da frota e balanços financeiros. "Se a prefeitura regulamentou, estipulou que é um serviço público, essa é a definição", afirma D'Agosto.

PREFEITURA

A restrição aos dados das empresas de transporte por aplicativos serve para garantir a proteção a informações comerciais que possam revelar estratégias das companhias, diz Rodrigo Pirajá, presidente da SP Negócios, empresa ligada à prefeitura e que regulamenta esse serviço.

Segundo ele, a gestão Fernando Haddad (PT) vai tornar públicos dados do sistema todo periodicamente, mas não de empresas específicas.

"As empresas estão muito preocupadas em competir e ganhar o mercado. Nesse ambiente, as operadoras têm uma preocupação ainda maior no tratamento de informações comerciais", diz.

No sistema proposto pela gestão petista e em vigor na cidade de São Paulo, as empresas precisam se credenciar e comprar créditos para rodar na cidade. Cada quilômetro custa cerca de R$ 0,10.

As companhias são obrigadas a fornecer à prefeitura dados dos passageiros e das corridas, como percurso, valor e avaliação do motorista.

Em maio, ao regulamentar os aplicativos de transporte como Uber, Haddad falava que haveria prestação de contas à população. Na ocasião, havia questionamentos de taxistas sobre a expansão desenfreada desses serviços.

"Temos condições de ampliar mais até, mas não faremos. Queremos comedimento. E com acompanhamento da sociedade", afirmou Haddad quatro meses atrás.

CONFIANÇA

"A prefeitura tem que ter uma preocupação no desenvolvimento do mercado, estabelecer uma relação de confiança com o regulado, em que ele tenha segurança de que as informações compartilhadas para a elaboração de política pública não vão ser divulgadas", afirma Rodrigo Pirajá, da SP Negócios.

Segundo ele, dados gerais do sistema –e não de cada empresa– serão compartilhados, mas somente quando o mercado se tornar menos dominado pelo Uber.

Pirajá nega ter havido pressão de empresas do segmento e diz se amparar na legislação atual, que proíbe divulgar segredos comerciais.

A prefeitura divulga dados sobre as frotas de ônibus e táxis em São Paulo, por exemplo. No caso das viações, há detalhamento não só da quantidade de veículos e passageiros, mas das receitas e despesas de cada empresa.

Para Pirajá, não há tratamento desigual em relação a empresas de ônibus porque a prefeitura não considera os serviços dos aplicativos como transporte público.

PRIVACIDADE

O Uber evita divulgar informações como a quantidade de carros de sua frota cadastrados na capital paulista.

Em nota enviada à reportagem, ele disse ser "importante que o poder público assegure o sigilo de dados com potencial de prejudicar a concorrência", "bem como garanta a privacidade e a proteção dos dados dos usuários e motoristas parceiros".

"Modelos de proteção de dados comercialmente sensíveis já são adotados por agência reguladoras e autarquias como a Anatel e o Cade", diz a nota.


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