Como não ajudar? Quando Heitor passou pelo perigoso viaduto em Manaus e viu o carro quebrado e o casal assustado, as crianças na traseira a esperar, não pensou duas vezes. Parou atrás e saiu para fazer o de sempre: esquecer de si e prestar socorro. Foi o último, e sem tamanho.
Quem visse o engenheiro mecânico bem vestido não pensaria que viera de baixo. Logo descobriria que, quando menino, vendera cocada na praça em São Paulo, de onde saiu com o pai atrás dos garimpos de ouro da Amazônia. O pai não ficou rico, mas virou ourives e abriu sua loja em Manaus. Ali Heitor começou como ajudante. Trabalhou ainda em uma fábrica. Para a irmã estudar, dava
seu vale-transporte.
Queria ser engenheiro. Estudando no chão da fábrica, formou-se, subiu na vida. Mas havia a beleza nas coisas simples, como alimentar os três cães vira-latas todos os dias na rua da empresa. Dirigia 10 km só para isso.
No domingo (4), os cães o esperavam. Mas ele viu o carro e decidiu ajudar. Foi atropelado e morreu no dia seguinte, aos 56. O motorista não prestou auxílio.
Reprodução/Facebook | ||
O engenheiro mecânico Heitor Aparecido da Silva |
"Logo ele, que ajudava todo mundo", diz o filho, Gabriel, "adotado" no penúltimo relacionamento. Em todo Natal, distribuía brinquedos. O último presente foi um sapatinho da Barbie, para uma menina com leucemia que conhecera ninguém sabe onde.
No velório, desconhecidos vieram agradecer. Heitor o fazia em silêncio, das formas mais insólitas. E ajudou quem conseguiu, até o último dia. Se não fosse por seu carro parado, o motorista teria acertado as crianças.
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